segunda-feira, 13 de maio de 2013

A foto preta




Os olhinhos da menina ainda tão criança cheios de perguntas e com a ordem: Conta!

As histórias eram um presente para ela, ali, mirando-o no desfocado olhar de perto. Impaciente, a menina cruzou os braços. No impreciso do momento, desconexos, os vapores sobressaltaram, múltiplos, no gesto de olhar desfocado de testa colada os olhos da menina que ansiava pela grande história, cheia de fantasias e ilusões, de anéis e de colares.

Na memória dele, os cacos de antes ali apresentados em silêncio. A tarde de abril, a noite de novembro, o amanhecer de maio. As cartas absurdas, as frases, as provocações, o cordão que se jogou pela janela em fúria, revisto e guardado na caixa de guardados, a marca que ele deixou dela na cidade. Tudo recomposto enquanto ele olhava a prima, ali, ainda tão menina, em silêncio.

A última carta foi um recorte de jornal. Na data, um bilhete em um clips amarelo. As últimas palavras com a forma da letra que escreveu o borrado atrás da foto preta. Estão de olhos fechados. Mergulhados no roxo das pálpebras, enlaçados na estátua-foto, as letras não se vêem por trás da máquina. Poucas, as digitais, as sobras. Na sombra do hieróglifo que ele fez: descarnados dos nomes que os envolviam, ela transformou tudo em desenhos.

A prima exigiu, conta! Ele riu. Ali, outros castanhos da distante madrugada, a que abriu todos os caminhos. A menina não entendia o gesto no silêncio carregado.

Ele se afastou, enfim, segurou o pequeno rosto entre as mãos, beijou-lhe a testa. Todo o silêncio carregado se partiu no sol da tarde, como a foto, a antiga foto de letras borradas no verso.

(texto escrito em 2013)

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