Há
mordaça. Senti-lhe o gosto quando acordei com ela na boca, de
madrugada, retirando de mim o pouco ar que respiro. Uma mordaça que
impede ações tranquilas, gestos impensados e costumeiros, um
sorriso efetivamente alegre. Nela está escrito “aqui é proibido”
e a pena é ser preso e amarrado dentro de uma jaula de dedos onde há
um pêndulo afiado a passar sobre a barriga. Há mordaça porque
está-se sempre na linha tênue entre a ofensa, o grito e o
inevitável tumulto, pondo em risco a harmoniosa ordem. E para manter
a ordem, câmeras vigilantes feitas de um silêncio improdutivo e
pegajoso e um polvo branco que tudo abraça e comprime (bom em partir
os ossos dos dizeres, quebrar a espinha da poesia e ransgar a pele
das palavras em feridas) estão sempre atuantes. E além da mordaça,
do silêncio vigilante e do polvo branco, há um olho que tudo vê a
exigir autorizações, sendo preciso pedir-lhe permissão de passagem
em muitos postos de guarda, mandar-lhe textos para avaliação de
censores, evitar-se sempre chegar perto do muro para que assim o
polvo não quebre outro pescoço, que as câmeras não filmem outro
poema não comercial que tudo desvirtua e o silencie, para que nada,
nunca, provoque tumulto. Isso faz com que todos os donos da ordem
imponham-nos seus hábitos tecidos em alvas batas de paz feitas em
teares de medo. E o sorriso, agora moeda de troca, câmbio flutuante,
é a conquista máxima do olho que exige a felicidade a custo de
morte, impondo-a, obrigando-a a manifestar-se e transformando seres
mutantes em seres realizados, imutáveis e controlados, bons para
caberem como engrenagens em pleno funcionamento numa máquina azul. E
basta uma brisa, um desvio de conduta que chegue cheio de arte, um
sorriso verdadeiramente alegre ou um prazer simples para que o poema
suma na noite, amordaçado, jogado em vala comum com tantos outros
que nada mais dizem porque o polvo, além de esfolar suas palavras,
arrancou-lhes a língua.
E 2014 começa com inquietude... :)
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