quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Preparação de partida - parte II


É sempre um céu azul quando as caixas chegam. Em maio, deixei Vila Velha com um belo sol de outono, céu que passei a gostar nos últimos seis anos. Quando deixei Juiz de Fora era noite, era setembro, fazia um calor ameno e a estrada era provisória. Quando deixei Manhuaçu, o dia era um pouco nublado, uma manhã estranha, meio chorosa, em meados de outro maio. Quando deixei Mariana, há praticamente nove anos, em abril, garoava leve de manhã e era tão pouca coisa a se levar, comparada à mudança de hoje! Mas em todas as mudanças, as caixas chegaram em um dia de sol.
Volta o cheiro de fita, de pincel escrevendo o conteúdo nas caixas, de papelão, de papel de jornal. A vida empacotada de novo, ela que já coube toda em uma mala preta, agora deixando para trás móveis, partes de uma vida que se estendeu nesses quase quatorze anos entre partir e voltar para BH. A casa já vai se tornando, como das outras vezes, neutra, como um rosto de um artista que tira a maquilagem depois de uma apresentação, desta vez uma breve temporada. E vai acabando o tempo em solo inconfidente de forma tranquila e cética, por eu estar mais sóbrio de mim, menos iludido de mundo, preciso para outras decisões, porque esse solo sempre me ensina algo, nem que seja o de ser sempre um lugar a lembrar. O que faz do rosto que volta também outro, muito diverso do daquele menino que a deixou numa manhã de agosto, que a custo reconheço quando fito os retratos enquanto os encaixoto.
Passei pela passagem, enfim. Passagem necessária, importante, imperiosa para não deixar nenhuma dúvida futura que viesse a surgir, alguma ilusão agora perdida. Passei a passagem de suas horas e sei que, mesmo distante de uma máquina do mundo a qual eu abdique, haverá outro horizonte, de céu largo e azul-violeta, um céu que leve os meus olhos em memória, fitando a linha das montanhas, sempre de volta ao mar. Um céu capaz sempre de me dizer que os pés podem alcançar as linhas do mundo, todas elas, nas muitas cidades que ainda pretendo morar, alimentando esse meu jeito cigano, esse meu prazer íntimo de sempre cair na estrada e partir para uma outra história, outra conversa, outro verso que se apanhe na beira de um caminho.

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