É sempre um céu azul quando as caixas chegam. Em maio, deixei Vila
Velha com um belo sol de outono, céu que passei a gostar nos últimos
seis anos. Quando deixei Juiz de Fora era noite, era setembro, fazia
um calor ameno e a estrada era provisória. Quando deixei Manhuaçu,
o dia era um pouco nublado, uma manhã estranha, meio chorosa, em
meados de outro maio. Quando deixei Mariana, há praticamente nove
anos, em abril, garoava leve de manhã e era tão pouca coisa a se
levar, comparada à mudança de hoje! Mas em todas as mudanças, as
caixas chegaram em um dia de sol.
Volta o cheiro de fita, de pincel escrevendo o conteúdo nas caixas,
de papelão, de papel de jornal. A vida empacotada de novo, ela que
já coube toda em uma mala preta, agora deixando para trás móveis,
partes de uma vida que se estendeu nesses quase quatorze anos entre
partir e voltar para BH. A casa já vai se tornando, como das outras
vezes, neutra, como um rosto de um artista que tira a maquilagem
depois de uma apresentação, desta vez uma breve temporada. E vai
acabando o tempo em solo inconfidente de forma tranquila e cética,
por eu estar mais sóbrio de mim, menos iludido de mundo, preciso
para outras decisões, porque esse solo sempre me ensina algo, nem
que seja o de ser sempre um lugar a lembrar. O que faz do rosto que
volta também outro, muito diverso do daquele menino que a deixou
numa manhã de agosto, que a custo reconheço quando fito os retratos
enquanto os encaixoto.
Passei pela passagem, enfim. Passagem necessária, importante,
imperiosa para não deixar nenhuma dúvida futura que viesse a
surgir, alguma ilusão agora perdida. Passei a passagem de suas horas
e sei que, mesmo distante de uma máquina do mundo a qual eu abdique,
haverá outro horizonte, de céu largo e azul-violeta, um céu que
leve os meus olhos em memória, fitando a linha das montanhas, sempre
de volta ao mar. Um céu capaz sempre de me dizer que os pés podem
alcançar as linhas do mundo, todas elas, nas muitas cidades que
ainda pretendo morar, alimentando esse meu jeito cigano, esse meu
prazer íntimo de sempre cair na estrada e partir para uma outra
história, outra conversa, outro verso que se apanhe na beira de um
caminho.
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