Martin Heidegger, em seu famoso ensaio "Construir, habitar, pensar", comenta a diferença que há entre o construir e o habitar. Para o filósofo, habitar é uma relação mais profunda, visto que nela existe um laço integrador entre o habitante e a habitação que se faz na ordem do pertencimento, porque habitar é parte da essência do ser. Para Heidegger, habitar significa de-morar-se sobre a terra e, para isso, é preciso tecer com o onde se habita um sentimento de resguardar: de libertar-se na essência da habiatção, visto que resguardar significa pôr-se em contato com sua essência, libertando-se das demais forças que sobre si e sobre as coisas se operam. É nessa ordem que para habitar está na relação de ter entre si o lugar um sentimento de pertencimento. Nessa linha, ao de-morar-se sobre a terra, habitando-a, o ser estabele relações integradoras com o todo.
Nesse sentido, a habitação será sempre um lugar que, como ele também discute em outro texto, "...poeticamente o homem habita...", o habitante "cria" uma relação de pertencimento, visto que só é possível habitar dentro da força produtora e criadora que existe no poético, pois, usando da metáfora de Hölderlin, "poeticamente o homem habita / esta terra". Logo, todo habitar é uma criação e é, também, uma relação criativa.
Nesse sentido, a habitação será sempre um lugar que, como ele também discute em outro texto, "...poeticamente o homem habita...", o habitante "cria" uma relação de pertencimento, visto que só é possível habitar dentro da força produtora e criadora que existe no poético, pois, usando da metáfora de Hölderlin, "poeticamente o homem habita / esta terra". Logo, todo habitar é uma criação e é, também, uma relação criativa.
Morei em muitos lugares, muitas casas, embora tenha habitado, de fato, muito poucas. Habitei - e talvez habite - Ouro Preto tendo morado muito pouco lá, na mesma intensidade ou talvez em intensidade maior do que meu sentimento de habitação em Mariana, onde morei de fato. Porque de-morei-me em Ouro Preto, resguardei-me lá tecendo com a cidade, como fiz em Mariana, uma relação fundamental do meu ser e estar sobre o mundo. Da mesma maneira, nunca morei em Vitória, mas estou certo de que a habitei muito mais do que Vila Velha, onde morei. Habito em BH e a habitei em todos os lugares onde vivi. Habito em BH aqui nas margens do Velho Chico, rio que aos poucos se torna, também, meu habitar.
Nesta casa nova, de paredes antigas e largas, coexistem muitas habitações simultâneas. Tateamo-nos ainda, criando esse laço lento que pode ser mais profundo do que o de outras habitações por onde passei. Sentir-me pertencido e resguardado nela e pertencê-la e resguardá-la, numa mútua habitação que se constrói, de onde brotam outras habitações novas, cheias de novas estradas e trilhas, construções integradoras.
Buscando a habitação na morada, palmilho as paredes na noite. Nossa insônia mútua, essa casa acostumada a madrugadas e sorrisos. Seu chão colorido, ladrilhado do sem fim, onde é possível pensar novas geometrias, redesenhar-me. E em tudo um tom solene, como se os vínculos criados produzissem mais formas e caminhos, permitissem a criação de lugares não existentes, como a ponte cria lugares a partir de si, na imagem que usa Heidegger no ensaio que citei no início.
Como outras casas onde morei, essa casa está em processo de habitação. Processo: essa palavra de tentáculos. Ontem me chamaram a atenção para ela, das repetidas vezes que a uso nos últimos dias, meses. Processo. O de habitação, o de traçar no mapa onde será o próximo destino, sem ainda um tempo para que o ato se dê. O fim da necessidade de urgência e partida. O fim de estar à mureta de um cais - aqui em Januária, em Vitória, nos cais imaginários de barcos que zarpam diariamente nos horizontes de montanhas de Minas. Como diria o Milton, "para quem quer me seguir / invento o cais". Este cais. De outra arquitetura, porque todo habitar é criar um cais, é um libertar-se por fim.
Nesta casa nova, de paredes antigas e largas, coexistem muitas habitações simultâneas. Tateamo-nos ainda, criando esse laço lento que pode ser mais profundo do que o de outras habitações por onde passei. Sentir-me pertencido e resguardado nela e pertencê-la e resguardá-la, numa mútua habitação que se constrói, de onde brotam outras habitações novas, cheias de novas estradas e trilhas, construções integradoras.
Buscando a habitação na morada, palmilho as paredes na noite. Nossa insônia mútua, essa casa acostumada a madrugadas e sorrisos. Seu chão colorido, ladrilhado do sem fim, onde é possível pensar novas geometrias, redesenhar-me. E em tudo um tom solene, como se os vínculos criados produzissem mais formas e caminhos, permitissem a criação de lugares não existentes, como a ponte cria lugares a partir de si, na imagem que usa Heidegger no ensaio que citei no início.
Como outras casas onde morei, essa casa está em processo de habitação. Processo: essa palavra de tentáculos. Ontem me chamaram a atenção para ela, das repetidas vezes que a uso nos últimos dias, meses. Processo. O de habitação, o de traçar no mapa onde será o próximo destino, sem ainda um tempo para que o ato se dê. O fim da necessidade de urgência e partida. O fim de estar à mureta de um cais - aqui em Januária, em Vitória, nos cais imaginários de barcos que zarpam diariamente nos horizontes de montanhas de Minas. Como diria o Milton, "para quem quer me seguir / invento o cais". Este cais. De outra arquitetura, porque todo habitar é criar um cais, é um libertar-se por fim.