quarta-feira, 2 de abril de 2014

desses poemas que se pregam em paredes de sala



Grande é o poema que ensina. E leio poemas todos os dias para me lembrar que no sufoco das horas é possível encontrar o desenlace. Como nos versos

"Chegou um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
.........................................................................................."

de "Os ombros suportam o mundo", de Carlos Drummond de Andrade. Ou como Drummond me ensina, à essa hora do dia, a solidão imensa dos seres em "A bruxa":

"Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América"
..................................................".

Preocupado com a escrita sempre monográfica das teses, ficou difícil falar de Drummond sem compromisso. E eu já passei muitas tardes falando de Drummond com os que amam falar de poesia, meus amigos de longa caminhada, como hoje falo tardes inteiras ao telefone de filosofia com o Leo e de cinema experimental, saudade e passagem com Vanessa. Quantas vezes pelos corredores das universidades por que passei a meu nome havia a alcunha de drummondiano, quase como um sobrenome, como se nisso vissem um amigo inseparável (que o poeta se tornou, de fato), por eu sempre falar nele, com ou sem compromisso. Só que há muito falo nele só com compromisso, com prazos e datas, e anotações e mais anotações.

Mas é nessas horas, quando esses versos pulam do livro, em meio a milhares de indagações e de perguntas que se desdobram em mais perguntas, que me lembro dessa importância do descompromisso. Tinha o hábito de ler poemas aos que percebia se interessarem por poemas enquanto ainda os sabia interessados por poemas. Como quem dá flores. Mas nem todos sabem ganhar flores, nem todos sabem ganhar poemas, e tenho parado lentamente. E de repente um verso tudo explica, assim, potente, e me emudeço. E percebo que me fazem falta as tardes em que lia poesia assim, de forma mais descontraída, como quem dá flores, poemas!

Vivi isso, em especial, em uma tarde que passei com Bia Lesoing falando da importânica que Drummond tem em minha vida (e hoje não me lembro se falei em frente ao mar, na cantina, em sua casa) e ela emendou dizendo que não era o poeta quem me dizia coisas, mas eu mesmo que me fazia, dada a grande leitura, outro eu drummondiano, fazia dele cartilha de conduta.
Faz certo sentido esse olhar da Bia ao dizer que eu me fiz, à minha maneira, um ser drummondianamente constatável. Afinal, leio-o já num montante de tempo que soma a metade de minha vida. E sobretudo, há sim uma verdade enquanto sou e estou aí também nesses versos, como nos de "O malvindo" ou de "Elegia 1938" (aliás, sou eu também que descubro nas noites, quando durmo, que dormindo, os problemas me dispensam de morrer). Eu, um eu drummondiano? Tem tantos nesse eu!

E é estranho pensar no poema "O malvindo", porque sempre tendo a usá-lo como metáfora de um eu possível em mim nesses eus drummondianos que em mim habitam, que tenho o hábito de lê-lo sempre na edição que ganhei da Alessandra, com um bonito cartão que guardei, presente pelo fim do ensino médio. E mesmo que esteja com a edição da obra completa em minha frente, castigada de se ler e se estudar, tem uma graça diferente ler "O malvindo" na edição que ela me deu, ela que eu nunca mais vi, personificada aqui na edição na estante. Como alguns poemas que consulto, sempre com o carinho de sempre, na edição de seleção de poemas de Drummond que Alice me deu há tanto, com o cuidado de reparar que em assuntos meus, Drummond sempre ganha.

Falar desses poemas é lembrar o que digo aos que me são próximos: "o que há de mim está aí, nesses poemas todos, em só um poema. E o que há de mim está além desses poemas todos, em nenhum poema". E fico curioso porque é novamente esse disparo, como a bruxa solta na noite, os mortos de sobrecasaca, os retratos de família, este eu que adensa-se quando diz "Amor é compromisso / com algo mais terrível do que amor?", de "Mineração do outro", que me faz falar dele, novamente, de forma livre. Isso me dá a velha lição e me lembra: eu estou mesmo em todos esses poemas, em um só deles, em nenhum deles.


Um comentário:

  1. O poema é a única modalidade de escrita que te lê ao invés de ser lida por você. Que sorte ser lido por Drummond!
    Beijos, querido. Saudades

    ResponderExcluir