eu e meus relógios moramos em muitos lugares neste tempo. porque não se engane: a vida, essa que corre sem parar enquanto escrevo essas palavras, é tempo, só tempo. e não se paga esse tempo porque ele não está nos relógios. não está nos calendários nem nas agendas. eu e meus relógios tentamos entender isso há anos e, por isso, mudamos tanto – de lugar, de opinião, de medos – porque há nessas mudanças todas, também, certo charme. sei que eles me confortam a ideia de que eu estou a caminho diário para o eterno agora, quando essa divisão não será mais um tormento, mas o tempo escorre nos meus olhos ao perceber que é tempo que tenho, e que ele acaba. por isso busco amar: porque não há tempo a perder. não há espaço no meu tempo para dores e incômodos desnecessários, obrigações diuturnas das quais podemos sempre nos desvencilhar até o impossível desvencilhamento, mas há tanto espaço para amar, para colher esse amar – que como sempre digo, não deve ser restrito no nome amor, como o pão é restrito no nome pão e ar no nome correlato. amar é uma potência, um eterno agir. e a ação de amar é no tempo, e ele está a passar agora, desperdiçado enquanto escrevo. porque amar é privilégio, além, muito além dos calendários. muito além das folhas que deixei de consultar para saber “agora, há um compromisso chato e tedioso, sem amar” do qual eu tenho que extrair um sacrificado amor (aí sim, o nome bem restrito e acabado, escrito em um crachá de portaria, pronto para sorrir sem sentido e sentimento) e então enfarar-me de tudo, e este tempo ter-se perdido em vão, sem esse agir. e no charme dos meus relógios, é sempre mais amanhã, sem ontem. o ontem é um baú desgovernado. mas como amar sem ontem, sem a dor toda da empreitada – porque na vida, sobra amor e falta amar – onde, se no espaço do entre é dor, descaso e desconsolo? como não se enfurecer diante de uma vida que nos adia sempre para o amanhã – seja na carreira, nos negócios, nos encontros – porque amanhã tudo se resolverá? e se não houver amanhã porque há ontem demais e o agora quase não existe, espremido que está entre esses dois gladiadores? o que fazemos com o amar agora, no presente do indicativo, ou no infinitivo, no gerúndio, sem pretérito – este tempo que sobra na gramática? como amar por fim, só adiante, como os relógios que amam o seguir em frente, mesmo que amanhã acabe a corda? e se a corda toda acabar de repente, o que ficará, a nostalgia do não-vivido, do podia-ser, do amanhã, como a prestação do apartamento, o crédito bancário, a nossa ilusão de eternidade? e se a eternidade for só agora. agora, nesse instante? então façamos assim: agora tudo é eterno. agora, e nunca amanhã. agora, muito mais que ontem, sem ontem, sem mais nada. só há agora e mais agora. Por isso agora, amar.
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