segunda-feira, 28 de abril de 2014

retratos populares - parte II

...em um bar da rua ceará eu encontrei o choro, um cardápio que era um LP e duas fotos da Dalva que acho lindas. fui ao conservatório ouvir a um recital de uma pianista russa interpretando Rachmaninoff. fui ao cinema duas vezes numa mesma semana ver filmes razoáveis e encontrei um belo livro de poemas de Ondjaki, autor que eu conhecia só da prosa, e fiquei tentado com o livro de Valter Hugo Mãe, o já famoso "Máquina de fazer espanhóis" e o novo que será lançado essa semana no Brasil. estou me ajeitando para ir ao cinema ver ao Woody Allen em um filme que não é dele, nem por ele dirigido - e é tão raro ver o Woody Allen atuando em filmes de outras pessoas, soa estranho tanto quanto ver o Tarantino em película que não a dele. "Abraçaço" do Caetano é realmente muito bom, um disco e tanto, e o primeiro do Pó de ser emoriô também é, cheio de uma musicalidade nova, um trabalho gostoso e bonito de ouvir e de passar essas últimas tardes. as últimas tardes que se despedaçam nesse bonito sol de outono, aqui, numa manhã um pouco fria, sabendo que a dois quarteirões a vida pulsa indomada nos ônibus, nos restaurantes que se preparam para a hora do almoço, nas loterias, dentro de algum livro cheio de idas e vindas, cheio de escolhas. é preciso fazer escolhas, sempre, como a de dobrar uma esquina.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Memórias do blog: Abril - Amizade de cozinha


Abrindo a série “Memórias do blog”, apresentamos "Amizade de cozinha", um dos textos mais comentados pelos leitores. Foi escrito em virtude de um encontro que tive com amigos em 2010, em Mariana, cidade que ainda ocupa um lugar especial no meu coração (bem menor hoje, depois dos últimos momentos que vivi lá, seguramente). Porém, meus amigos (os que lá vi na ocasião e os demais, que juntamente com esses, há muito não vejo), sim sempre serão mais que especiais.

“Amizade de cozinha” foi e ainda é, sem dúvida, um dos textos que os leitores mais se identificam, fazendo a ele loas de todas as espécies. Por conta deste, inclusive, recebi um convite de montar um livro de fotografias e histórias de cozinhas que, ainda, não saiu do papel. O estranho é que, mesmo sendo o texto que os leitores e amigos mais comentam comigo, ocupa o sétimo lugar na lista dos mais visitados. Creio que por uma questão simples: alguns dos outros apresentam em seus títulos termos que caem facilmente nas teias de pesquisa do Google, o que acaba favorecendo a um texto aqui e acolá, e desfavorece este em especial.

É estranho pensar na amizade de que trata o texto no dia em que estou indo ver outras cozinhas de quem sou amigo. Além disso, abril é um mês importante para mim nesse sentido, porque é quando geralmente posso comemorar com velhos conhecidos minhas amizades, nem que seja num breve oi ao telefone.

Como este é o primeiro da série, e será um por mês, (sempre na semana do dia 10, como disse na nota sobre a retomada da periodicidade), a título de explicação, apresentarei sempre os primeiros parágrafos do texto e o link que direcionará o leitor a ele. Assim, o leitor pode conferirr por ele mesmo o que comentaram as pessoas ao longo do tempo.

Com vocês, então, “Amizade de cozinha”, publicado em 16 de setembro de 2010.

“Nascer em Minas é saber que as amizades mais íntimas são à cozinha da sua casa.

Ninguém é tão seu amigo se não for ‛da cozinha da casa da sua mãe’, ‛da cozinha lá de casa’. O lugar, então, é mais que o lugar da fome e das panelas. É onde o mineiro passa seu maior tempo. Nas cozinhas de Minas se discute política, economia, futebol, religião. Foi de uma cozinha nas vertentes que a Inconfidência saiu.

Mais que um cômodo, as cozinhas de Minas guardam as histórias de gerações, guardam a fome do período do ouro, os adultérios, os divórcios. [...]”

Para conferir o texto na íntegra, clique em

http://desdequeosambaesamba.blogspot.com.br/2010/09/amizade-de-cozinha.html

quinta-feira, 3 de abril de 2014

A volta da periodicidade

Desde que o samba é samba retoma, a partir desta semana, sua periodicidade, em comemoração aos 5 anos que este blog completará no dia 10 de outubro.

Além de textos semanais, selecionarei, ao longo dos meses, os sete textos mais visualizados ao longo destes cinco anos. Assim, o leitor poderá rever alguns dos mais lidos (e nem sempre re-lidos) textos aqui publicados. 

Os textos da série "Memórias do Blog" serão publicados na semana do dia 10 de cada mês até outubro, sempre com algum comentário meu a respeito do que ouvi e li desses textos, do que me disseram leitores, amigos e leitores-amigos.

Então, obrigado leitores pelas quase 30.000 visitas que o Desde que o samba é samba teve nesses últimos anos e que, nos meses seguintes, possamos nos divertir e compartilhar mais alegrias, indignações e indagações.


quarta-feira, 2 de abril de 2014

desses poemas que se pregam em paredes de sala



Grande é o poema que ensina. E leio poemas todos os dias para me lembrar que no sufoco das horas é possível encontrar o desenlace. Como nos versos

"Chegou um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
.........................................................................................."

de "Os ombros suportam o mundo", de Carlos Drummond de Andrade. Ou como Drummond me ensina, à essa hora do dia, a solidão imensa dos seres em "A bruxa":

"Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América"
..................................................".

Preocupado com a escrita sempre monográfica das teses, ficou difícil falar de Drummond sem compromisso. E eu já passei muitas tardes falando de Drummond com os que amam falar de poesia, meus amigos de longa caminhada, como hoje falo tardes inteiras ao telefone de filosofia com o Leo e de cinema experimental, saudade e passagem com Vanessa. Quantas vezes pelos corredores das universidades por que passei a meu nome havia a alcunha de drummondiano, quase como um sobrenome, como se nisso vissem um amigo inseparável (que o poeta se tornou, de fato), por eu sempre falar nele, com ou sem compromisso. Só que há muito falo nele só com compromisso, com prazos e datas, e anotações e mais anotações.

Mas é nessas horas, quando esses versos pulam do livro, em meio a milhares de indagações e de perguntas que se desdobram em mais perguntas, que me lembro dessa importância do descompromisso. Tinha o hábito de ler poemas aos que percebia se interessarem por poemas enquanto ainda os sabia interessados por poemas. Como quem dá flores. Mas nem todos sabem ganhar flores, nem todos sabem ganhar poemas, e tenho parado lentamente. E de repente um verso tudo explica, assim, potente, e me emudeço. E percebo que me fazem falta as tardes em que lia poesia assim, de forma mais descontraída, como quem dá flores, poemas!

Vivi isso, em especial, em uma tarde que passei com Bia Lesoing falando da importânica que Drummond tem em minha vida (e hoje não me lembro se falei em frente ao mar, na cantina, em sua casa) e ela emendou dizendo que não era o poeta quem me dizia coisas, mas eu mesmo que me fazia, dada a grande leitura, outro eu drummondiano, fazia dele cartilha de conduta.
Faz certo sentido esse olhar da Bia ao dizer que eu me fiz, à minha maneira, um ser drummondianamente constatável. Afinal, leio-o já num montante de tempo que soma a metade de minha vida. E sobretudo, há sim uma verdade enquanto sou e estou aí também nesses versos, como nos de "O malvindo" ou de "Elegia 1938" (aliás, sou eu também que descubro nas noites, quando durmo, que dormindo, os problemas me dispensam de morrer). Eu, um eu drummondiano? Tem tantos nesse eu!

E é estranho pensar no poema "O malvindo", porque sempre tendo a usá-lo como metáfora de um eu possível em mim nesses eus drummondianos que em mim habitam, que tenho o hábito de lê-lo sempre na edição que ganhei da Alessandra, com um bonito cartão que guardei, presente pelo fim do ensino médio. E mesmo que esteja com a edição da obra completa em minha frente, castigada de se ler e se estudar, tem uma graça diferente ler "O malvindo" na edição que ela me deu, ela que eu nunca mais vi, personificada aqui na edição na estante. Como alguns poemas que consulto, sempre com o carinho de sempre, na edição de seleção de poemas de Drummond que Alice me deu há tanto, com o cuidado de reparar que em assuntos meus, Drummond sempre ganha.

Falar desses poemas é lembrar o que digo aos que me são próximos: "o que há de mim está aí, nesses poemas todos, em só um poema. E o que há de mim está além desses poemas todos, em nenhum poema". E fico curioso porque é novamente esse disparo, como a bruxa solta na noite, os mortos de sobrecasaca, os retratos de família, este eu que adensa-se quando diz "Amor é compromisso / com algo mais terrível do que amor?", de "Mineração do outro", que me faz falar dele, novamente, de forma livre. Isso me dá a velha lição e me lembra: eu estou mesmo em todos esses poemas, em um só deles, em nenhum deles.


terça-feira, 1 de abril de 2014

agora, amar

eu e meus relógios moramos em muitos lugares neste tempo. porque não se engane: a vida, essa que corre sem parar enquanto escrevo essas palavras, é tempo, só tempo. e não se paga esse tempo porque ele não está nos relógios. não está nos calendários nem nas agendas. eu e meus relógios tentamos entender isso há anos e, por isso, mudamos tanto – de lugar, de opinião, de medos – porque há nessas mudanças todas, também, certo charme. sei que eles me confortam a ideia de que eu estou a caminho diário para o eterno agora, quando essa divisão não será mais um tormento, mas o tempo escorre nos meus olhos ao perceber que é tempo que tenho, e que ele acaba. por isso busco amar: porque não há tempo a perder. não há espaço no meu tempo para dores e incômodos desnecessários, obrigações diuturnas das quais podemos sempre nos desvencilhar até o impossível desvencilhamento, mas há tanto espaço para amar, para colher esse amar – que como sempre digo, não deve ser restrito no nome amor, como o pão é restrito no nome pão e ar no nome correlato. amar é uma potência, um eterno agir. e a ação de amar é no tempo, e ele está a passar agora, desperdiçado enquanto escrevo. porque amar é privilégio, além, muito além dos calendários. muito além das folhas que deixei de consultar para saber “agora, há um compromisso chato e tedioso, sem amar” do qual eu tenho que extrair um sacrificado amor (aí sim, o nome bem restrito e acabado, escrito em um crachá de portaria, pronto para sorrir sem sentido e sentimento) e então enfarar-me de tudo, e este tempo ter-se perdido em vão, sem esse agir. e no charme dos meus relógios, é sempre mais amanhã, sem ontem. o ontem é um baú desgovernado. mas como amar sem ontem, sem a dor toda da empreitada – porque na vida, sobra amor e falta amar – onde, se no espaço do entre é dor, descaso e desconsolo? como não se enfurecer diante de uma vida que nos adia sempre para o amanhã – seja na carreira, nos negócios, nos encontros – porque amanhã tudo se resolverá? e se não houver amanhã porque há ontem demais e o agora quase não existe, espremido que está entre esses dois gladiadores? o que fazemos com o amar agora, no presente do indicativo, ou no infinitivo, no gerúndio, sem pretérito – este tempo que sobra na gramática? como amar por fim, só adiante, como os relógios que amam o seguir em frente, mesmo que amanhã acabe a corda? e se a corda toda acabar de repente, o que ficará, a nostalgia do não-vivido, do podia-ser, do amanhã, como a prestação do apartamento, o crédito bancário, a nossa ilusão de eternidade? e se a eternidade for só agora. agora, nesse instante? então façamos assim: agora tudo é eterno. agora, e nunca amanhã. agora, muito mais que ontem, sem ontem, sem mais nada. só há agora e mais agora. Por isso agora, amar.