Atlético: eu, você e esse sofrimento intermitente. Não é amor
cheio de paz e tranquilidade. É amor cheio de dor e lágrima, cheio
de sofrimento doentio e de alegria arrebatadora. Perversidade que me
prende a você. Intenso amor, cheio de grito.
Amor listrado em preto: essa face obscura de todos nós. Na listra
preta, nossas profundezas e recolhimentos. Você nos põe em contato
com o que há de verdade em nós. Os lugares da alma em que você nos
lança há mais de um século, nesse movimento estranho de existir
para nos mostrar a razão limite, até onde podemos levar a dor e o
viver, o pensar e o resistir. Até onde suportar? Como sobreviver a
isso?
Amor listrado em branco: a noção de claridade ilusória a que essa
dor obscura nos leva. A claridade de entender a luz, de ser
arrebatado da dor. Porque você nos arrebata da dor de todo dia: do
ônibus lotado, do salário atrasado, do aumento do aluguel, do preço
do feijão. Você nos tira dessa dor diária de viver ao surgir nos
noventa minutos em que existe em ação, ali, no centro do espetáculo
mundo, o futebol. E não há atleticano que suporte viver sem esses
noventa minutos em que você nos traz de volta uma esperança branca e
preta, algo difícil de perceber.
Amor listrado em ambivalências: as duas cores do luto. As duas cores
do noivado. As duas cores da festa. Há culturas que o branco é o
símbolo do morrer, como o preto na nossa. Há culturas em que as
noivas vestem preto, como na nossa vestem branco. Nas duas bodas que
nos cercam, os elementos vitais do festejo e do desenlace, suas
cores. As cores dos antigos pretos velhos, das antigas pretas velhas.
As guias preto e brancas da ancestralidade negra de seus torcedores
na cura e na doença de amar você, Atlético. Nas cores de Obaluaê,
o Orixá da terra, da cura e da doença. O peso de carregar as cores
de um deus.
Amor listrado e seus limites: um preto e um branco. Cada listra, um
limite. Como transpor os limites do existir? Como viver os limites do
amar? Como absorver os limites do pertencer a você, nossa pátria e
nação, nosso lar e templo, nosso lugar de aceitação dos erros e
dos acertos? Você nos prova sempre que perdoar é um ato de amor,
porque sempre o perdoamos, mesmo depois da maior agonia. Você nos
mostra que é preciso transpor o limite para o perdoar e o amar.
Porque você carrega em si a ambivalência do existir.
Amor sem consenso: não há meio termo. Ou se sofre ou se é feliz. É
quente, nada de morno. Talvez a única relação imutável, vermelha
como a histórica camisa dos goleiros, como as cores dos números. Um
galo de briga de olhos vermelhos. Um galo do povo que briga contra
tudo e todos na esperança de vencer. E como o povo, perde mais do
que ganha e suporta, e almeja a vitória, tem fé no futuro. E então
o povo o ama, porque amanhã é outro dia e você existirá nele, no
outro dia, lutando até o último suor do seu rosto que sobra na gola
da camisa.
Amor sem vaidade: de todos, com todos. Amor sem veleidades: popular e
honesto. Do povo. Sempre do povo. A alegria maior do povo porque
repete a dor do povo, seu sofrer. Você lembra a quem não sabe o que
é sofrer o sofrimento do povo: nas fábricas, nas lotações, no
trabalho diário, no peso das sacarias nas costas. O povo entende de
sofrimento, por isso o povo o entende, Atlético. Porque o povo sabe
a dificuldade do pão e do cigarro, do feijão e da cachaça. E por
isso, sabe o sabor da festa que você provoca na semana. O povo, só
o povo o entende e o abraça, Atlético. Porque você não é só
querido pelos seus. É amado. E os seus não têm por você essa
vaidade barata. Têm orgulho de você. Como de um filho ou de uma
filha que consegue vencer a dor diária, como a vitória da família
vizinha que enfim saiu do aluguel, como o conseguir realizar um
difícil sonho nessa selva que é o viver.
Um galo de briga de olhos vermelhos. Com sede de vitória que se
levanta todos os dias às cinco da manhã para auxiliar no acordar
das cidades. Como o povo que desperta antes de todos para pôr a
cidade em movimento: dirigindo ônibus, fazendo pão, vendendo
hortaliça, carregando caminhão, limpando rua, indo para o trabalho
nas fábricas. Você é o partido do povo: seu representante e seu
delírio.
Amor listrado em preto e branco. Amor limite do dia. Esse lembrar o
sofre que você não se furta. A você, Atlético, meu delírio e
alegria, minha dor e desamparo. Sempre.
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