sábado, 28 de setembro de 2019

Amor listrado em preto e branco


Atlético: eu, você e esse sofrimento intermitente. Não é amor cheio de paz e tranquilidade. É amor cheio de dor e lágrima, cheio de sofrimento doentio e de alegria arrebatadora. Perversidade que me prende a você. Intenso amor, cheio de grito.
Amor listrado em preto: essa face obscura de todos nós. Na listra preta, nossas profundezas e recolhimentos. Você nos põe em contato com o que há de verdade em nós. Os lugares da alma em que você nos lança há mais de um século, nesse movimento estranho de existir para nos mostrar a razão limite, até onde podemos levar a dor e o viver, o pensar e o resistir. Até onde suportar? Como sobreviver a isso?
Amor listrado em branco: a noção de claridade ilusória a que essa dor obscura nos leva. A claridade de entender a luz, de ser arrebatado da dor. Porque você nos arrebata da dor de todo dia: do ônibus lotado, do salário atrasado, do aumento do aluguel, do preço do feijão. Você nos tira dessa dor diária de viver ao surgir nos noventa minutos em que existe em ação, ali, no centro do espetáculo mundo, o futebol. E não há atleticano que suporte viver sem esses noventa minutos em que você nos traz de volta uma esperança branca e preta, algo difícil de perceber.
Amor listrado em ambivalências: as duas cores do luto. As duas cores do noivado. As duas cores da festa. Há culturas que o branco é o símbolo do morrer, como o preto na nossa. Há culturas em que as noivas vestem preto, como na nossa vestem branco. Nas duas bodas que nos cercam, os elementos vitais do festejo e do desenlace, suas cores. As cores dos antigos pretos velhos, das antigas pretas velhas. As guias preto e brancas da ancestralidade negra de seus torcedores na cura e na doença de amar você, Atlético. Nas cores de Obaluaê, o Orixá da terra, da cura e da doença. O peso de carregar as cores de um deus.
Amor listrado e seus limites: um preto e um branco. Cada listra, um limite. Como transpor os limites do existir? Como viver os limites do amar? Como absorver os limites do pertencer a você, nossa pátria e nação, nosso lar e templo, nosso lugar de aceitação dos erros e dos acertos? Você nos prova sempre que perdoar é um ato de amor, porque sempre o perdoamos, mesmo depois da maior agonia. Você nos mostra que é preciso transpor o limite para o perdoar e o amar. Porque você carrega em si a ambivalência do existir.
Amor sem consenso: não há meio termo. Ou se sofre ou se é feliz. É quente, nada de morno. Talvez a única relação imutável, vermelha como a histórica camisa dos goleiros, como as cores dos números. Um galo de briga de olhos vermelhos. Um galo do povo que briga contra tudo e todos na esperança de vencer. E como o povo, perde mais do que ganha e suporta, e almeja a vitória, tem fé no futuro. E então o povo o ama, porque amanhã é outro dia e você existirá nele, no outro dia, lutando até o último suor do seu rosto que sobra na gola da camisa.
Amor sem vaidade: de todos, com todos. Amor sem veleidades: popular e honesto. Do povo. Sempre do povo. A alegria maior do povo porque repete a dor do povo, seu sofrer. Você lembra a quem não sabe o que é sofrer o sofrimento do povo: nas fábricas, nas lotações, no trabalho diário, no peso das sacarias nas costas. O povo entende de sofrimento, por isso o povo o entende, Atlético. Porque o povo sabe a dificuldade do pão e do cigarro, do feijão e da cachaça. E por isso, sabe o sabor da festa que você provoca na semana. O povo, só o povo o entende e o abraça, Atlético. Porque você não é só querido pelos seus. É amado. E os seus não têm por você essa vaidade barata. Têm orgulho de você. Como de um filho ou de uma filha que consegue vencer a dor diária, como a vitória da família vizinha que enfim saiu do aluguel, como o conseguir realizar um difícil sonho nessa selva que é o viver.
Um galo de briga de olhos vermelhos. Com sede de vitória que se levanta todos os dias às cinco da manhã para auxiliar no acordar das cidades. Como o povo que desperta antes de todos para pôr a cidade em movimento: dirigindo ônibus, fazendo pão, vendendo hortaliça, carregando caminhão, limpando rua, indo para o trabalho nas fábricas. Você é o partido do povo: seu representante e seu delírio.
Amor listrado em preto e branco. Amor limite do dia. Esse lembrar o sofre que você não se furta. A você, Atlético, meu delírio e alegria, minha dor e desamparo. Sempre.

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