O Desde que o samba é samba vem, desde as eleições de 2010,
comentando os trâmites eleitorais. Ficamos mais em silêncio nessa
eleição por muitas razões. Em especial, por uma necessidade de
entender uma série de acontecimentos dos últimos tempos. O central,
a nosso ver, é o que se desdobra das manifestações de 2013.
Estamos ainda sofrendo as consequências dela e, acredito, a mais
violenta é o desmanche da educação proposto pela EC 95 e pela
reforma do ensino básico.
Digo isso porque acredito que as manifestações de 2013 não foram
por causa do preço das passagens, mas pela construção, via
educação, de uma geração consciente de sua força política e de
seu papel como agente no espaço público. Podemos notar isso de
muitas maneiras diferentes. Desde que houve substancial aumento do
ingresso do jovem na educação superior pelas políticas de
ampliação das universidades e de facilitação do acesso ao ensino
privado via Prouni e melhor estruturação do FIES, assim como o
acesso ao ensino federal de nível médio com a ampliação dos
Institutos Federais, muitas manifestações políticas aconteceram. E
as manifestações políticas não necessariamente são pensadas na
lógica partidária, mas na construção gradual da consciência de
cidadania. A ocupação das cidades e a nova ideia de reconhecimento
no espaço público como se deu nas capitais do Brasil, o
renascimento de carnavais urbanos por todo o país, a construção de
uma identidade estudantil que garantiu, mesmo sob forte ataque, a
ocupação das escolas secundaristas e a reinvenção do jovem de seu
lugar de fala são amostras disso.
Todas as mudanças políticas – e não partidárias – fizeram a
juventude brasileira entender que é por meio da luta que conquistas
são alcançadas. Por meio de ocupações e embates que a democracia
se faz. Entenderam que era preciso ocupar o espaço do debate público
e livre de ideias. E o debate de ideias questionou as profundas
desigualdades que ainda não resolvemos no campo dos costumes. O
debate de ideias deflagrou nosso racismo, nosso machismo, nossa
homofobia. A educação colocou em cena as mazelas nacionais sem
posicionar nenhum fuzil contra ninguém. A necessidade de construir
um lugar identitário sólido de reconhecimento social e político
aqueceu o debate da última década, debate construído depois de uma
década e meia de forte investimento em educação. Foi a educação
que propiciou isso nos últimos anos.
E claro, o debate provoca o pensamento. E boa parte da população
brasileira não está preparada para o debate. Lembremos que gerações
foram formadas para obedecer, educadas na ditadura militar, sob forte
censura nos livros e nos métodos didáticos. Muitas pessoas do
Brasil não sabem debater porque os governos ditatoriais do século
XX alienou-as de seus lugares políticos, formou-as para obedecer
patrões e governos e se calar, sob a imposição do medo e da punição.
Acho que é aí que nasce o ódio de gerações que, vítimas de
baixos investimentos em educação, condenam os professores. Porque,
claro, o jovem, na cabeça dessa geração vitimada, não é capaz de
pensar por si só. Ele só ocupa as ruas, só reivindica direitos, só
toma consciência política de classe e de identidade se for
doutrinado por alguém. Para a geração educada no século XX, sob o
medo e a repressão, um jovem não pode querer ser o que quiser.
Porque essa geração não pôde ser o que quis. E acha que todos
devem, como ela, amargurar não poder escolher.
A ampliação e a gana fascista que tomou conta do cenário político
nos últimos anos é resultado do ódio ao investimento sólido em
educação. Porque foi nos governos petistas que a educação chegou
a muito mais pessoas do que antes, de forma muito menos dogmática e
muito mais democrática que nos anos de chumbo ou nos anos de
transição do século. As primeiras décadas do século XXI
mostraram ao jovem brasileiro que a educação gratuita e pública
pode sim levá-los a outros lugares, a outras conquistas, a aceitação
de si mesmo sem tantas obediências a normas vazias de conduta. Por
isso a marcha fascista é, sobretudo, contra a educação.
A lógica fascista quer censurar a escola que criou transformações.
Por isso as mentiras das mais variadas maneiras, como o “kit gay”.
Porque o fascista ama a obediência cega, sem o debate. Porque o
fascista não sabe conquistar o respeito das pessoas a não ser pelo
medo, pelo autoritarismo, pelo silêncio, pela ameaça e pela força.
Porque ele não se garante no debate. Ele não tem argumentos contra
o desejo de liberdade e de mudança que tomou conta de boa parte da
juventude brasileira, eclodindo nas manifestações de 2013. Por isso
os golpes políticos, a violência gratuita.
Vivemos o período mais sombrio do início deste século. Um século
que nasceu com promessas de prosperidade, mas que se volta para o
início do século passado, no ressurgimento fascista descabido.
Estamos às portas de mergulhar outra vez nos anos de chumbo onde
qualquer expressão gerava cadeia e morte. E os professores, os
intelectuais e os jovens que se opõem serão os primeiros a morrer.
Por isso, enquanto ainda houver possibilidade de debate, que aqueles
que acreditam que a educação é o único caminho transformador, que
não elejam Bolsonaro. Há nele o que há de pior no Ocidente. E ele
nos levará a todos ao mais profundo caos que já enfrentamos. Porque
nunca vivemos sob a ameaça real do fascismo. E o fascismo matou
milhares de pessoas no mundo todo.
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