segunda-feira, 4 de junho de 2018

um conto curto


Por anos adiado, cansou-se. Parado na rua, numa tarde de sábado, olhando os carros passando sem tanta pressa, pensou que um café com ela seria bom, mas ela havia dito que talvez na semana seguinte, quando tivesse em melhor condição de tempo. Cansou-se quando, numa noite de segunda, pegou o ônibus e foi, novamente sozinho, ao cinema, mas que no próximo sábado seria ideal porque ela poderia, enfim, deixar o gato na vizinha e ir, mas com um tempo curto, apertado, cheio de compromissos. Cansou-se numa quarta de férias, numa livraria, quando achou o verso do poema do livro que iria comprar bonito, e sabia que não adiantaria ligar o telefone porque, talvez, estivesse ela ocupada com outro a-fazer.
O tempo, essa joia. E ele descobriu a joia, claro, sozinho. Como em todos os compromissos sociais, como em todas as noites remarcadas e vazias, como no balcão do bar quando se soube desempregado e estava em completo desalento. Sozinho no velório do amigo, na comemoração do título de campeão. Sozinho quando se via tendo que sentar ao telefone todo dia no mesmo horário para saber de problemas que não lhe interessavam, de pessoas que muitas vezes ele nem conhecia, mas que saberia que talvez aquilo fosse a única oportunidade de atenção, até o próximo não, até a próxima data remarcada, a viagem reprogramada. Outro constante adiamento, sempre uma rotina.
Na tarde de sábado, quando definitivamente se cansou, uma criança brincava com um balão colorido. Vermelho, o balão sem hélio, só com ar de pulmões, escapava pela calçada. A criança corria atrás até o balão atravessar a rua. Uma criança e seu balão. Cansou-se. E olhando as próprias mãos, sorriu. A liberdade é imperiosa quando se faz lúcida. Ela nunca houve. Um sonho, um fantasma? Uma projeção sua? Uma insegurança? Uma conjuntura histórico-social invertida e, portanto, justa? Que diferença fazia naquela tarde! A alegria de saber-se presente e de nunca mais ser adiado, reagendado, remarcado e postergado, fazia-o se sentir livre. Não era mais como um livro, um boleto, uma conta. Era um ser livre, capaz de correr na calçada com a criança atrás do balão que escapava e que estava ali, como tudo o mais estava ali. Estavam ali as árvores que ele via, o sorriso dos transeuntes, o casal de namorados abraçados e distantes. Estavam ali os vidros das janelas, os cães de rua. Nada ali lembrava que haveria depois. Ele, sempre para depois. E sentiu a vontade madura de só correr pela rua, para sentir se as pernas ainda estavam ali e se não o adiariam também. Se o ar em seus pulmões não teria um compromisso inadiável que impediria sua presença. Se os sapatos não o trocariam por uma sapateira, se seu suor não o deixaria em troca de escorrer-se no chão de algum banheiro. Só a sensação de pertencimento do tempo. O tempo que é sempre hoje. Essa joia. O tempo que era sempre mais rápido que ele, e que o fazia querer correr. O tempo imperioso e libertador. Cansou-se. Depois... Nunca mais outro depois.

Nenhum comentário:

Postar um comentário