É preciso me abrigar da chuva do frio e das marés. Mas não há
chuva ou frio e as marés estão distantes. Mas há o passar das
marés, seus distúrbios soltos e mórbidos, os navios ante o cais. É
preciso me abrigar do sol e do vento, mas o sol é sempre e o vento
um nem quase, onde tudo que há é poeira e tempo, esse jeito de
abrir um maço esquecido de cigarros. O bolso vazio na calça velha,
a praça, além. Além o que existe de sabores de além, onde o
destino agora em caixas vazias de qualquer coisa hoje inútil. Mas é
preciso o abrigo do vento e da chuva, o chapéu ao sol de
quarta-feira.
Quarta-feira, dia de ângulos. Porque às quartas-feiras chove uma chuva fina no sem-onde, mas não aqui neste sol de tarde quente. O azul, por fim esquecido. Mas me lembro. Lembro que gostava daquele abrigo da chuva, da marquise curta. Lembro, mas é uma lembrança quase opaca, era outro (e não eu) debaixo da marquise curta, abrigando-me desse outro que hoje está aqui sob o sol. Lembro-me que já sorri desses barulhos naquela marquise. Sorri sim, verdadeiramente. E hoje é a lembrança opaca daquilo, meio sem gosto, como um pão velho que aos poucos mofa.
Quarta-feira, dia de ângulos. Porque às quartas-feiras chove uma chuva fina no sem-onde, mas não aqui neste sol de tarde quente. O azul, por fim esquecido. Mas me lembro. Lembro que gostava daquele abrigo da chuva, da marquise curta. Lembro, mas é uma lembrança quase opaca, era outro (e não eu) debaixo da marquise curta, abrigando-me desse outro que hoje está aqui sob o sol. Lembro-me que já sorri desses barulhos naquela marquise. Sorri sim, verdadeiramente. E hoje é a lembrança opaca daquilo, meio sem gosto, como um pão velho que aos poucos mofa.
É preciso me abrigar do mofo da umidade e dos ratos. Mas aqui não
há umidade nem mofo e os ratos, poucos, os cães expulsam aos
latidos violentos ou os gatos caçam. Mas lembro-me de mofo e ratos e
umidade como me lembro das marquises apertadas, do abrigo. Tudo
longe, quase esquecido, foto que desbota e que quando olho é um
outro eu tão distante que hoje nem parece ter existido de fato.
Inventado de um sonho, mas possível de comprovação nos documentos
oficiais que carrego. Documentos que o fisco e o governo controlam,
hoje onde tudo é controlado e ruim.
Lembro-me que não havia o controle e o hoje era um vislumbre em
espelho de banheiro, bêbado, às quatro da madrugada. O hoje era a
tarde de sol cinza debaixo de uma laranjeira ceca no meio de um
quintal com musgos. O hoje era uma porta azul com aldrava preta
frente a uma escada de pedras onde um velho, repetidas vezes, raspava
ervas daninhas. O hoje era preciso. E era preciso saber o hoje que
não vislumbrava. Um hoje distante e que hoje é pouco importante,
bem diverso. Mas era o hoje que eu tinha, de que me lembro. O hoje
que era só um vislumbre na marquise, aquele abrigo, cheio de umidade
de um moletom empapado de chuva, que cheirava a guardado como
cheiravam as calças e os sapatos. Como cheiravam os ombros dos
amigos, misturados aos perfumes do possível entre cheiros de sabão
e amaciante.
É preciso guardar os livros, cuidar deles e alimentá-los. Mas hoje
os livros nutridos se formam nas estantes coloridas, sem tanta
urgência de abrigo, mais lido e tratados como coisas. Instrumentos
como furadeira, chave de fenda ou uma colher de cozinha. Livros sem
mais a mistificação de livro, sem mais a coisa perdida, esse
mistério absorto onde não sei de muita certeza e onde perdi
qualquer verdade. Mas me lembro daqueles livros imantados e
verticais, nas estantes, cheios de sonhos para aquele hoje
vislumbrado e seco. Aquele hoje que nem entendo da memória, do
cheiro velho das coisas velhas que hoje já não têm mais qualquer
sentido, mas que existem aqui desfiguradas, quebradas e recolhidas.
É preciso organizar os móveis e a casa, arrumar a cama todo dia.
Lembro-me que era preciso o vinco dos lençóis no centro do colchão
velho. Um lençol com flores alaranjadas de trinta anos, desbotadas
de trinta anos, velhas por fim em tudo e em mim também, mas hoje são
flores de que me lembro e do vinco, mas não da obrigação de
arrumar e organizar. As coisas sobem sobre as coisas e naquele hoje
vislumbrado as coisas seriam organizadas e corretas. As coisas teriam
seus momentos úteis. Hoje, só coisas.
Naquele antigo ontem onde lembro o pouco e distante, havia a certeza
de amor. Havia amor, eu me lembro. Era palpável como um travesseiro,
um chumaço de algodão. Mas é tão distante e esquecido que nem sei
mais que gosto tem, se tem gosto, se era palpável. Está distante
como o abrigo debaixo da marquise, como a chuva que caía, como o que
se via além da porta azul de aldrava preta, para cima da laranjeira
seca e do quintal com musgo. Para além das flores laranja desbotadas
do lençol, seu vinco. Para além. Eu não me lembro mais do que
existia para além.
Quando te leio meu caro amigo,te escuto,ao meu lado,recitando prosas,poemas,como quem conta,falando em conversa,os causos da vida.E inda ouço em determinados trechos,sua larga risada e vejo teus braços abertos,a dizer qualquer coisa que já Não lembro em detalhes,comidos pelo tempo!
ResponderExcluirQuando te leio meu caro amigo,te escuto,ao meu lado,recitando prosas,poemas,como quem conta,falando em conversa,os causos da vida.E inda ouço em determinados trechos,sua larga risada e vejo teus braços abertos,a dizer qualquer coisa que já Não lembro em detalhes,comidos pelo tempo!
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