Qualquer coisa a ser dita nesta profunda alegria é inútil. É inútil a metáfora de que a vida é barulhenta como um trem que passa por um túnel. Inútil também a metáfora de Caetano de que só o verso é capaz de botar mundos no mundo. É pouco a metáfora de Gilberto Gil de que toda menina baiana tem um jeito, ou dos versos de Drummond sobre a Bahia, ou mesmo aquele gostoso som das músicas de Caymmi na voz de Maria Bethânia. Talvez Maria Bethânia cantando Chico, mas ainda sim diria pouco. Talvez a metáfora severina de Cabral, porque tudo isso ainda diz pouco das fortes alegrias.
Alegria é um bom termo (mesmo que a palavra diga pouco). Lembrei de uma madrugada em que ouvimos na esquina (a gente chegando em casa) "Proibido proibir", do Caetano, e um senhor perguntou se a gente estava bem, passava bem, e estávamos para lá das roupas de festa. Lembrei do sorriso debaixo das palavras escritas sobre o convento, o cigarro à janela do apartamento em um banco que espera outro cigarro. Lembrei de vermelho-alegria, de sexta em supermercado e jantar de sábado. Lembrei de pequenos silêncios, de sono de domingo à tarde, de cozinha, café e panquecas.
Talvez a metáfora do sorriso na avenida: dividida no coração numeroso do mundo, nas cores tão vivas nesse proposital dia nublado, a alegria diminuta, como na música, ressurge bruta como um maracujá, uma pedra, uma declaração de amor dita de pé em um banco de bar. O barulho-mundo ama e sorri de tudo, em seus desdobramentos, e estamos sempre em choque nesse roda-moinho. Outra imagem, também boa: estar na rua, no redemoinho, como o diabo, pois a alegria se movimenta, cheia de uma gargalhada adocicada de pecado. E a vida pode ser surpreendentemente fascinante. E deixa esse sorriso no rosto (sorriso que não me deixa), essa alegria de, como Caetano, cantar: por que não?
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