Poeta,
estive em teu chão. Era de chão que precisava, poeta, cheio de minério. Pisei antigos assoalhos, andei em cômodos que hoje têm teus versos transcritos em livre disposição. Versos de família, no teu antigo lar, aquele que figurou em tua parede de poemas, de versos escritos aos ares sobre a memória dessas casas, de tua Itabira longínqua, hoje mudada, repelida daquela que não cabe mais na velha fotografia, como se o vestido de brumas da cidade não a vestisse mais como antes.
Trouxe prendas, poeta. Ganhei um retrato de tua família, tu no canto esquerdo, de terno listrado, rosto sério, jovem ainda entre teus parentes que o tempo desbota. Ouvi as homenagens que te foram destinadas há alguns anos, no Rio (pessoas de vária formação recitando teus versos), expostos em vídeo na parede da estrebaria, na parte debaixo da casa, aquela que ainda guarda o cheiro antigo dos cavalos de teu pai. Os cavalos poéticos que ele montava quando ia para o campo, no tempo em que lias Robson Crusoé. Os poros de taipa do espaço guardam cheiros ancestrais, cheiro de vida que um dia pulsou comum e ordinária como a vida das famílias, com seus problemas circunscritos.
Vi teus poemas em ferro forjado nas ruas mais antigas de tua cidade, não mais qualquer, mas ainda de ferro nas calçadas e nas almas. As pedras de minério calçando as ruas. Pedras que ainda hoje abandonam Itabira em vagões também de ferro, no trem de ferro que jogará todo o aço do futuro no fundo de uma embarcação, indo encontrar seu destino pelos mares, solto em pó preto voando pelos ventos de Vitória, rumo às almas, à China, ao mundo.
Itabira também é mundo porque cruza os mares, poeta, para além de teus versos. O chão flutuante de Minas abastece o mundo de coisas de metal que não ouso listar, e a terra revolvida, absconsa, pousa entre as serras, expondo-me nessas luzes cinzas de inverno o paredão que sobrou do Pico, a cratera de pedra disfarçada de rasteira braquiária.
Foi a música que fui ver em tua casa, poeta, e não teus versos na parede, no chão, no imenso pôster com o retrato que Portinari fez de ti. Mas antes de a música levar-me a teu antigo lar, foi o chão de Minas que me abasteceu de Minas nos dias que me faltam contar, nas histórias que me faltam escrever, talvez para outra carta, talvez para só um verso.
Há chão, poeta. Há, novamente, antigo chão em mim. Agora me reconheço. Tinhas razão: Minas não há mais. Mas ela ainda, como li em teus versos, poeta, escritos anos depois deste, permanece dentro e fundo.
Retornarei a teu lar, poeta, algum dia. A teu mar. Às Minas que flutuam, seja nas calçadas da capital, no Atlântico, no ar que se respira ao longo das margens de ferro da Vitória-Minas. E saberei: em tudo isso, seja no ar, no mar, nos trilhos de metal, é sempre chão que se busca habitar. Chão acima do chão, profundo e recolhido como o que há no caminho de uma estrada pedregosa, quando os sinos daqui se confundem com o som dos meus sapatos.
Até e sempre,
Danilo.
estive em teu chão. Era de chão que precisava, poeta, cheio de minério. Pisei antigos assoalhos, andei em cômodos que hoje têm teus versos transcritos em livre disposição. Versos de família, no teu antigo lar, aquele que figurou em tua parede de poemas, de versos escritos aos ares sobre a memória dessas casas, de tua Itabira longínqua, hoje mudada, repelida daquela que não cabe mais na velha fotografia, como se o vestido de brumas da cidade não a vestisse mais como antes.
Trouxe prendas, poeta. Ganhei um retrato de tua família, tu no canto esquerdo, de terno listrado, rosto sério, jovem ainda entre teus parentes que o tempo desbota. Ouvi as homenagens que te foram destinadas há alguns anos, no Rio (pessoas de vária formação recitando teus versos), expostos em vídeo na parede da estrebaria, na parte debaixo da casa, aquela que ainda guarda o cheiro antigo dos cavalos de teu pai. Os cavalos poéticos que ele montava quando ia para o campo, no tempo em que lias Robson Crusoé. Os poros de taipa do espaço guardam cheiros ancestrais, cheiro de vida que um dia pulsou comum e ordinária como a vida das famílias, com seus problemas circunscritos.
Vi teus poemas em ferro forjado nas ruas mais antigas de tua cidade, não mais qualquer, mas ainda de ferro nas calçadas e nas almas. As pedras de minério calçando as ruas. Pedras que ainda hoje abandonam Itabira em vagões também de ferro, no trem de ferro que jogará todo o aço do futuro no fundo de uma embarcação, indo encontrar seu destino pelos mares, solto em pó preto voando pelos ventos de Vitória, rumo às almas, à China, ao mundo.
Itabira também é mundo porque cruza os mares, poeta, para além de teus versos. O chão flutuante de Minas abastece o mundo de coisas de metal que não ouso listar, e a terra revolvida, absconsa, pousa entre as serras, expondo-me nessas luzes cinzas de inverno o paredão que sobrou do Pico, a cratera de pedra disfarçada de rasteira braquiária.
Foi a música que fui ver em tua casa, poeta, e não teus versos na parede, no chão, no imenso pôster com o retrato que Portinari fez de ti. Mas antes de a música levar-me a teu antigo lar, foi o chão de Minas que me abasteceu de Minas nos dias que me faltam contar, nas histórias que me faltam escrever, talvez para outra carta, talvez para só um verso.
Há chão, poeta. Há, novamente, antigo chão em mim. Agora me reconheço. Tinhas razão: Minas não há mais. Mas ela ainda, como li em teus versos, poeta, escritos anos depois deste, permanece dentro e fundo.
Retornarei a teu lar, poeta, algum dia. A teu mar. Às Minas que flutuam, seja nas calçadas da capital, no Atlântico, no ar que se respira ao longo das margens de ferro da Vitória-Minas. E saberei: em tudo isso, seja no ar, no mar, nos trilhos de metal, é sempre chão que se busca habitar. Chão acima do chão, profundo e recolhido como o que há no caminho de uma estrada pedregosa, quando os sinos daqui se confundem com o som dos meus sapatos.
Até e sempre,
Danilo.