É tempo de tanta coisa: de manifestações, de ler o que a tese pede, de festival, de voltar a ouvir Chico e tocar João Bosco ao violão, de ler Baudelaire e de saber, sobretudo, que é hoje. É hoje sempre. Sentir que é hoje. Falei disso com o Pedrão: o hoje sem historicidade, sem sua temporalidade na presença, constituída por mim no meu hoje. Sinto que é hoje além de pensá-lo e qualquer análise muito longa, em qualquer devaneio no que pode ser de tudo e/ou no que foi de tudo, eu me perco nos tortuosos becos dos tempos verbais.
Da memória, em imperfeito pretérito que conjugo sempre, a saudade e a vontade de colocar as ruas por onde hoje piso nas ruas que pisei, as mesmas, mas com outros carros passando, outras pessoas, outras camisas no constante protestar. Há vontade de querer no hoje aquilo que eu vivi, mas não há nisso o minorar o hoje, com as ruas e as pessoas que hoje se ocupam dela, dos prédios e dos usos que hoje fazem as pessoas, de como, principalmente a juventude, faz uso desse hoje tão permeado de virtualidade e novos termos e usos – de telefones no hoje dos bares, nas fotos que hoje servem para o hoje, sem tanto recordar, numa outra experiência de viver, diversa da minha juventude. Este hoje muito mais denso, como um grande pêssego. É hoje nos olhos dos estudantes, hoje nos armazéns, hoje nas padarias onde se discute o manifesto – que ainda acontece hoje na internet, agora em algum post partilhado – sempre o só instante e o eterno adiamento do hoje também, porque é sempre hoje e tudo pode ser deixado para amanhã, até o amor.
Ontem, quando acordei, olhei o relógio verde da cozinha e pensei em um ponteiro dos segundos em motocontínuo – diferente daquele que reparte o hoje. Senti a angústia que faltava, a angústia que me levou ao salto ao lugar que eu tanto estudo. Quando Ana me perguntou o que tinha, respondi profundo: nada. Sentindo o movimento dos segundos em mim mesmo, como se a pergunta que me faço diariamente voltasse além da problemática central dos meus dias, senti lá, naquela suspensão, o que me refez. Voltei ao hoje mais sóbrio, outro por certo, mas que, até este instante, só consegue perceber de possível um breve tatear momentos-hoje.