quarta-feira, 1 de maio de 2019

O limite dos privilegiados

O limite dos privilegiados.

Bolsonaro odeia a educação porque educação é crescimento. E ele nunca cresceu. Não digo de idade. Educação é um crescimento constante, a cada desafio e a cada etapa concluída. O contato com os saberes amplia a pessoa; ela não consegue caber nunca mais nas velhas medidas, nos velhos espaços que ela ocupava antes de aprender.

Aprender a andar de pé fez com que as pessoas nunca mais engatinhassem. Aprender a falar fez com que as pessoas nunca mais balbuciassem. O estágio posterior ao aprendizado é um estágio do qual não se pode retroceder. Isso é crescer. E Bolsonaro não cresceu.

Há ali uma limitação qualquer, não sei. Mas ele parou em algum estágio de seu crescimento e decidiu, ou mesmo não conseguiu, ir adiante. Descobriu um limite e o aceitou como fim. Porque é limitado, assim, de quem chegou ao limite e estacionou ali - por medo, preguiça ou escolha. Então, por não ser capaz de seguir adiante, ele acredita que crescer é inútil.

Para quem chega no limite de sua capacidade sem aceitá-lo, deve ser odioso ver quem segue crescendo, quem não se deixa barrar pelos limites. E a vida universitária, a Universidade, é o lugar onde os limites estão, a todo momento, se alargando, crescendo. É onde todos os anos estudantes se formam convictos de que não cabem mais nas medidas que ocupavam antes de entrar ali. Convictos de que cresceram e sapientes de que ainda há muito a crescer. E ele, Bolsonaro, limitado, se enfurece.

Bolsonaro se enfurece porque ele poderia estar ali. Ele é branco, homem e de classe média. Não recebeu uma educação precária nem foi obrigado a parar de estudar. Estava, como muitos brasileiros de sua classe social, cercado de privilégios e não conseguiu mais crescer. Diferente dos pobres, que precisam abandonar o estudo para trabalhar, ou de negros e negras historicamente excluídos do contato com a educação. Ele poderia ter sido médico, dentista, General do Exército. Ele não conseguiu. Porque chegou ao seu limite. E se enfurece com quem conseguiu e consegue seguir crescendo.

Para piorar, educou seus filhos nessa lógica. Achou outro limitado que largou a escola e foi morar em outro país, que tem atrás de si (nos vídeos que publica) livros que são só cenário. Outro que, por não conseguir ser filósofo por formação, por não ter concluído a escola básica, se autoproclamou filósofo. O limite branco, masculino, de classe média. O limite dos privilegiados.

Atacar as Universidades, as humanidades, o pensamento livre e que produz crescimento, é o ódio do limite dos que não conseguiram. Bolsonaro não conseguiu, mesmo com tantos privilégios. Outros tantos, brancos e de classe média, também cheios de privilégios, não conseguiram. Mesmo com boas escolas, boa alimentação na infância, boas condições de estudo, morando em casa própria, com condições de só se dedicarem ao estudo. E deve ser doloroso ver os pobres, os que nunca tiveram chance, os que trabalham e estudam, as que levam os filhos para as aulas por não terem com quem deixar, conseguirem sem privilégio nenhum o que ele, Bolsonaro, com tantos privilégios, não conseguiu. O que seus filhos, com tantos privilégios, também não conseguiram.

Por isso, ele quer destruir tudo. Porque assim ninguém mais será capaz de esfregar na cara dele o quão limitado ele é. O quanto ele não conseguiu. O quanto seus iguais também não conseguiram. Só conseguirá isso impedindo que outros consigam. Impedindo que outros cresçam. Por isso, estrangular a Universidade, o pensamento e as ciências humanas. Esse é o pano de fundo desse ódio. E dele o mercado se apropria.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Estudos de cartografia I

 para Ana Paula Nunes

o acaso da vida
seus ditames
os imprevistos compostos
sua pele

onde as palavras esquecem
a sua real filosofia
e nos põem contrapostos
de mãos dadas

fervilha a pele das unhas
sob abraços desfeitos
nos repetidos dias de imprevisto

como se a força da cor da aurora
[esta que nos imprime o dia]
fosse o contrário da forma

: corpo

esse rio presente em paradigmas
que nos traz a parte cortada
a que amputamos de nós
a capacidade de crer no fim
como um desabrochar violento da orquídea

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Para Thaís (parte 2)

Lembrar você nas ruas de Diamantina. Onde saímos e onde nos sentamos para ver o dia dormir. Onde passeamos risadas naquele janeiro de há doze anos. E nos vi por ali, almoçando no restaurante que almoçamos, sentando nas mesas dos bares em que bebemos umas cervejas, parando na porta do hotel que dormimos. Nossos dias ali, de novo, reduzidos e diminutos.

Senti sua falta, estranha falta que só sinto por saber que você partiu. Desde que virou jamais, algo novo nasceu por você, e não sei o que é. Uma latência, um som. Você reaparece cristalizada nas fotos, sabendo-se sem telefonemas, e tudo ficou de alguma maneira encantado e carregado de carinho. Talvez porque a morte tenha lá esse peso. E você se subverte na memória, e escapa aqui e ali de onde eu a tinha guardado, entra noutros espaços. Reaparece nas falas do dia, quase sempre.

Sonhei com você esses dias. Sonhei que sorria! E acordei à procura de uma foto que tinha sua na minha cama, sorrindo, vestindo uma blusa minha. Resgatei essa foto e achei outras, uma da gente acordando e da sua cara de mal humor, de você saindo de um baile vestindo meu paletó, da gente sentado num meio-fio durante o carnaval de 2004, da gente com Cynthia, Dávine e Regisley na sua casa. Tenho ainda essas fotos, hoje artefatos de saudade do jamais.

Tenho ainda a palavra saudade escrita em pedra que você me deu quando comecei a viajar para trabalhar e que levou nosso relacionamento ao fim. Lembrei dos encontros rápidos nas rodoviárias, quando estava de passagem. De nossa viagem de janeiro, que começou por Diamantina, nossa longa e importante viagem, decidida de repente, com roupas compradas numa loja em BH, nada programado, como tudo que era nosso. Achei os postais que me mandou de Hong Kong, achei nossas cartas que têm mais de dez anos, mais de quinze anos. Achei o lenço que você usou no cabelo em um dos nossos carnavais, sempre cheios de desencontros e de conversas longas pelos meio-fios. Os lenços que você usou no vestibular em Viçosa, quando fomos juntos. Lembrei de uma vez que você viajou escondida de carro para me ver porque eu não regressaria à Mariana, de você me esperando descer do ônibus quando fui pela primeira vez em São João. Daquela casa pequena em São João. Da decisão de que só nos suportaríamos se vivêssemos em casas separadas.

Você ainda está nas ruas de Mariana, em Passagem. Passo por lá e há sempre uma dor. As coisas mudaram, eu mudei. As coisas mudaram e não cumprimos o plano de comprar livros na Grécia para não perdermos a viagem. Não cumprimos muitos planos desde que tudo terminou e com sua morte fica essa coisa suspensa, porque sempre se tem um depois, sei lá, nessa vida maluca de erros.

Nos dias por nossa cidade, lembrei do que você me disse, quase como uma profecia que acabou por não se cumprir. De que iríamos nos distanciar, nosso relacionamento acabaria para retornar quando estivéssemos mais maduros e soubéssemos lidar melhor com o amor.

Amor. Lembrar de você é lembar que eu já acreditei no amor, e ele parece ecoar de uma vida que não sei mais onde está. Quando você partiu, Bia me ligou e repetia isso, de que eu a tinha amado muito. Um dia, na Sé, Flavinho me disse que achava que nos casaríamos. Fabiano me disse num bar em BH que faltou dar em você o último abraço. Fui apresentado ao marido de Cynthia com meu nome ligado ao seu. Um dia, do nada, Dávine postou uma foto em que estávamos juntos. São tantos registros! Você, sempre sorrindo! Houve amor, um louco amor. Desses que os jovens sentem e que encantam. Um amor que precisava se afastar e amadurecer. E nesse hífen você partiu e eu deixei de acreditar que amar é possível, que exista de fato esse sentimento, o amor.

Você foi importante e eu ainda não consegui superar sua partida. Ainda espero seu telefonema de alguma parte do mundo para a gente dizer ao telefone que a memória que temos um do outro é a de ex-casados, da saudade que temos de você jogando pedras na minha janela quando matava aulas para passar o dia comigo escondida de todos. Nossas tardes e manhãs. Nossas descobertas de nós e do mundo. Dos nossos sonhos de viajar o planeta.

O destino tem brincadeiras cruéis. Quando saí em Diamantina para repetir nossa noite no mercado, vi margaridas. Você estava lá, em tudo. E já fazem doze anos desde aquele janeiro. Quem sabe um dia tudo volte. Quem sabe o que o destino ainda me reserva, já que sua trajetória aqui já terminou. Nesses espaços encantados, ainda espero sua ligação. Ainda espero saber quem você ama no momento, e como se lembra de nós. Eu sigo cada vez mais seco. Mas há sua memória agora, que ilumina as coisas a seu modo.

domingo, 30 de dezembro de 2018

Mais uma vez, a estrada


Quando fiz sete anos, sabia ler. Quando fiz dezessete, estava com a coluna quebrada e recebi uma festa surpresa. Quando fiz 27, tinha acabado de passar no mestrado da Ufes, morava em Vila Velha, já era professor universitário há um ano. Agora, às vésperas dos 37, estou com uma casa nas caixas, com uma mudança que atrasou mais de um mês, mas sou professor universitário de uma universidade pública, como planejado há 20 anos.
A vida e suas voltas. Nos trinta anos que separam o aprendizado da leitura à sala de aula de um curso de Letras, muita coisa aconteceu. E todas elas estão em alguma coisa que já está encaixotada. As coisas, suas forças no tempo, seus pesos. E nelas as lembranças muitas, as alegrias e as tristezas, as noites em claro estudando. A sensação de que o amanhã, depois dos livros, seria de segurança e paz.
A paz se alcança aos poucos, na medida em que consigo reduzir a estrada. Mas como reduzir a estrada, se nos últimos dezoito anos a dinâmica foi mudar, trocar de telefone, de cep, de endereço, de cidade? Como diminuir a estrada se ainda rodo seis horas no mínimo por semana, mais de 300km, para trabalhar – eu que sempre trabalhei em cidades diferentes das que moro, seja no pequeno espaço que separava Ouro Preto e Mariana, Cariacica e Vitória de Vila Velha, seja nas distantes cidades da zona da Mata, na distância que há entre Januária e Montes Claros? Como vencer o fim dos ônibus, das rodoviárias, dos guichês?
A segurança é sempre adiada. Porque agora é o governo quem ameaça a educação. A ameaça que ronda as portas das universidades, os fantasmas e os cortes nada fantasmagóricos de verbas. A incerteza da manutenção do ensino e a necessidade de seguir lutando.
Mais uma mudança entre tantas, mais um tempo entre tantos. E nessa estrada sem fim, perder amores. Porque é uma soma de perdas, de amores que vão ficando para trás nessa jornada. De nomes que agora figuram ladeados num diário, cada ano que passa mais distantes e incomunicáveis, de vidas que parecem serem de outra encarnação, tão diverso me torno de mim a cada ano. E mesmo que ressurjam vez por outra, caem outra vez nessas distâncias, sempre mudas. A vida e suas labutas. Essas mudanças.
Hoje, às vésperas dos 37, o ritmo de mudar é mais lento. O corpo sente mais o peso das caixas e das fitas. O corpo sente mais a espera do caminhão, o ligar para transferir telefone, a troca dos cadastros residenciais. O decorar o novo cep. Saber onde ficam as coisas no novo bairro. Tudo novo de novo, tudo outra vez e uma rotina a reconstruir. O corpo sente mais esses cansaços e as distâncias e não suporta mais mudar. Mas é resiliente quanto ao fato de que o próximo endereço é mais um. Que o próximo cep é mais um. Que essa estrada nunca sairá do horizonte e que nunca será possível um repouso de um tempo num único lugar. E mais pessoas passarão, mais amores ficarão pelo caminho. Mais estrada por fim, o único lugar que habito.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

mais uma vez, a estrada

Fiz muitos textos sobre partir. Quase todos começam com as caixas e as fitas, o de sempre na mudança. Mas essa mudança começa de um lado diferente. Um lado que talvez desconhecesse, mas que é cada dia maior e mais denso, quase tocável. 

Começo do meu cansaço. 

Porque eu estou cansado e isso será o primeiro a ser mudado. Cansado porque preciso responder a um número enorme de pessoas o tempo todo e a maioria não sabe ou não quer esperar. E cada uma tem uma urgência diferente. É sempre muita gente que quer que eu responda de imediato. E não há tempo que baste. 

Talvez tenha sido o imediatismo das redes sociais que fez com que todos, em todos os lugares, se esquecessem que as pessoas têm muitas coisas a fazer além de atendê-las. E é preciso muitas vezes esperar. Esperar pela resposta, esperar pela atenção. E essa espera não quer dizer falta de importância ou qualquer outra coisa. É só uma espera. Porque há muito o que fazer. 

Caí doente este fim de semana. Uma alergia como há muito não tinha. Olhos inchados e sensíveis à luz, doloridos. E a urgência das coisas que apitam. Das mensagens que exigem que você pare o que está fazendo para respondê-las. E as caixas, o prazo da mudança que se aproxima, os livros que quero ler em silêncio sem que nada apite ao meu redor. A vontade de sair e tomar uma cerveja sem que nada apite e que eu precise responder de pronto. 

A sensação que tenho é que o mundo, de repente, tornou-se uma criança birrenta no supermercado. Aquela que repetidas vezes chama a mãe pedindo-lhe que atenda, que responda, e se a mãe não olha a criança essa não pára um segundo de interrompê-la no que quer que ela esteja fazendo. Os aplicativos deveriam ter a função "ocupado", como os telefones, os antigos bate-papos. Ninguém está disponível o tempo todo. Eu estou quase o tempo todo ocupado.

E tudo apita madrugada a dentro a ponto de eu precisar silenciar as coisas porque as pessoas perderam a noção de limite. Ninguém está acordado o tempo todo. Ninguém precisa que as coisas apitem a todo momento. 

E isso me cansou. Cansei de estar a postos. Não estou. Não posso. Cada coisa tem seu tempo e é preciso que elas se respeitem mutuamente. Se os seres perderam essa medida, imponho eu a eles a minha. Como diria Pessoa, "não me macem, pelo amor de Deus". E não os atendo, nem sempre posso. Preciso desligar as coisas que apitam. Porque há dias que o mundo desaba três vezes na vida de alguém enquanto eu tomava banho. Pessoas se matam e ressuscitam e não acabei o café. Pessoas comentam a política global e nem acabei de ler o jornal - porque eu os leio, todas as manhãs. Pessoas mandam fotos e marcam você vídeos madrugada a dentro e você nem trocou de sono. Tudo o tempo todo, ao mesmo tempo agora. E eu preciso de paz. 

A casa está para as caixas. Outra mudança. E dessa vez não é a casa para onde vou, mas o silêncio que colocarei às coisas e pessoas que importa nisso tudo. Só não volto às cartas por impossibilidades que me impõe o trabalho. Fora isso, não respondo mais ninguém na urgência que julgam ter. Querem falar comigo, venham à minha casa. Liguem-me no fixo. No mais, preciso cuidar da mudança. A décima segunda em dezoito anos.  

As caixas chegaram numa noite de lua. As fitas também, como na anterior preparação de partida. Lá a chegada. Sem essa maldita urgência de crianças de supermercado.



segunda-feira, 29 de outubro de 2018

canto I


 para Carol Duarte

como um perdão
que nos cobre a todos
é preciso levantar

anunciar o dia
[porque há ainda dia]
e rever os seres nas calçadas

é preciso sentir à pele
o que nas palavras resiste
e receber de mãos largas
outros acasos

para saber
no fim desta agonia
que estamos juntos sob o sol
que outra liberdade virá
por debaixo dos apetrechos do fim

é preciso levantar escombros
para ver os cacos do mundo
nosso mundo
- indefeso -
que nos grita abrigo e calma
e que nos abre os braços de amar

levantar o dia
que se deixou cair
e olhá-lo nos olhos:

dia, meu dia,
que nasces amanhã com outro nome
mas que a mim me inspira
lealdade
onde se erguem outras bandeiras
plantam-se novas razões
vencem-se velhos hábitos

cresce em todos sem desvios
porque precisamos de ti
de pé
quando a noite chegar

Danilo Barcelos - primavera-18

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Ele Não, Ele NUNCA


O Desde que o samba é samba vem, desde as eleições de 2010, comentando os trâmites eleitorais. Ficamos mais em silêncio nessa eleição por muitas razões. Em especial, por uma necessidade de entender uma série de acontecimentos dos últimos tempos. O central, a nosso ver, é o que se desdobra das manifestações de 2013. Estamos ainda sofrendo as consequências dela e, acredito, a mais violenta é o desmanche da educação proposto pela EC 95 e pela reforma do ensino básico.
Digo isso porque acredito que as manifestações de 2013 não foram por causa do preço das passagens, mas pela construção, via educação, de uma geração consciente de sua força política e de seu papel como agente no espaço público. Podemos notar isso de muitas maneiras diferentes. Desde que houve substancial aumento do ingresso do jovem na educação superior pelas políticas de ampliação das universidades e de facilitação do acesso ao ensino privado via Prouni e melhor estruturação do FIES, assim como o acesso ao ensino federal de nível médio com a ampliação dos Institutos Federais, muitas manifestações políticas aconteceram. E as manifestações políticas não necessariamente são pensadas na lógica partidária, mas na construção gradual da consciência de cidadania. A ocupação das cidades e a nova ideia de reconhecimento no espaço público como se deu nas capitais do Brasil, o renascimento de carnavais urbanos por todo o país, a construção de uma identidade estudantil que garantiu, mesmo sob forte ataque, a ocupação das escolas secundaristas e a reinvenção do jovem de seu lugar de fala são amostras disso.
Todas as mudanças políticas – e não partidárias – fizeram a juventude brasileira entender que é por meio da luta que conquistas são alcançadas. Por meio de ocupações e embates que a democracia se faz. Entenderam que era preciso ocupar o espaço do debate público e livre de ideias. E o debate de ideias questionou as profundas desigualdades que ainda não resolvemos no campo dos costumes. O debate de ideias deflagrou nosso racismo, nosso machismo, nossa homofobia. A educação colocou em cena as mazelas nacionais sem posicionar nenhum fuzil contra ninguém. A necessidade de construir um lugar identitário sólido de reconhecimento social e político aqueceu o debate da última década, debate construído depois de uma década e meia de forte investimento em educação. Foi a educação que propiciou isso nos últimos anos.
E claro, o debate provoca o pensamento. E boa parte da população brasileira não está preparada para o debate. Lembremos que gerações foram formadas para obedecer, educadas na ditadura militar, sob forte censura nos livros e nos métodos didáticos. Muitas pessoas do Brasil não sabem debater porque os governos ditatoriais do século XX alienou-as de seus lugares políticos, formou-as para obedecer patrões e governos e se calar, sob a imposição do medo e da punição.
Acho que é aí que nasce o ódio de gerações que, vítimas de baixos investimentos em educação, condenam os professores. Porque, claro, o jovem, na cabeça dessa geração vitimada, não é capaz de pensar por si só. Ele só ocupa as ruas, só reivindica direitos, só toma consciência política de classe e de identidade se for doutrinado por alguém. Para a geração educada no século XX, sob o medo e a repressão, um jovem não pode querer ser o que quiser. Porque essa geração não pôde ser o que quis. E acha que todos devem, como ela, amargurar não poder escolher.
A ampliação e a gana fascista que tomou conta do cenário político nos últimos anos é resultado do ódio ao investimento sólido em educação. Porque foi nos governos petistas que a educação chegou a muito mais pessoas do que antes, de forma muito menos dogmática e muito mais democrática que nos anos de chumbo ou nos anos de transição do século. As primeiras décadas do século XXI mostraram ao jovem brasileiro que a educação gratuita e pública pode sim levá-los a outros lugares, a outras conquistas, a aceitação de si mesmo sem tantas obediências a normas vazias de conduta. Por isso a marcha fascista é, sobretudo, contra a educação.
A lógica fascista quer censurar a escola que criou transformações. Por isso as mentiras das mais variadas maneiras, como o “kit gay”. Porque o fascista ama a obediência cega, sem o debate. Porque o fascista não sabe conquistar o respeito das pessoas a não ser pelo medo, pelo autoritarismo, pelo silêncio, pela ameaça e pela força. Porque ele não se garante no debate. Ele não tem argumentos contra o desejo de liberdade e de mudança que tomou conta de boa parte da juventude brasileira, eclodindo nas manifestações de 2013. Por isso os golpes políticos, a violência gratuita.
Vivemos o período mais sombrio do início deste século. Um século que nasceu com promessas de prosperidade, mas que se volta para o início do século passado, no ressurgimento fascista descabido. Estamos às portas de mergulhar outra vez nos anos de chumbo onde qualquer expressão gerava cadeia e morte. E os professores, os intelectuais e os jovens que se opõem serão os primeiros a morrer. Por isso, enquanto ainda houver possibilidade de debate, que aqueles que acreditam que a educação é o único caminho transformador, que não elejam Bolsonaro. Há nele o que há de pior no Ocidente. E ele nos levará a todos ao mais profundo caos que já enfrentamos. Porque nunca vivemos sob a ameaça real do fascismo. E o fascismo matou milhares de pessoas no mundo todo.