quarta-feira, 8 de maio de 2019

o sabor do sal - parte I


para ana

o amor, seus contratos e o que há mais, no que cabe de mais. o amor feito um guindaste, gigante e profundo como um precipício. onde, o amor, então? como segurá-lo entre as mãos sem que ele caia nessa via que segue serpenteando a montanha, com forte vento por trás, que nos carrega a alma seca de vertigens e velha como os dias das eras, antigas como o início dos tempos, mas hoje na ocupação diurna? como saber o amor, vivê-lo e condensá-lo num verso que seja capaz de exprimir com clareza além das letras de um nome, além das formas comuns, das pequenas coisas do dia? onde o amor está perdido e encontrado, raptado de seus ais sem muitos lances, onde cabe na verdade esse desvelo e meu jeito, onde durmo pesado? onde o amor me recupera das velhas feridas, dos tropeços e desenganos, desse mentir repetido a mim que em mim de fato pensava que cabia, e que não cabe, mas que punge na força dos dedos na noite, nas dores dos músculos da testa quando esvai a dor pelos poros, onde os atos e seus resultados se colocam empatados e não estamos mais no caminho da dúvida? como abrir mão do que se pensou e ouviu, seguindo uma velha lição, para chegar, no fim, na gema densa, essa joia dura de carbono e sal? enquanto o sal tiver sabor de sal. enquanto esse enfim se materializa?

quarta-feira, 1 de maio de 2019

O limite dos privilegiados

O limite dos privilegiados.

Bolsonaro odeia a educação porque educação é crescimento. E ele nunca cresceu. Não digo de idade. Educação é um crescimento constante, a cada desafio e a cada etapa concluída. O contato com os saberes amplia a pessoa; ela não consegue caber nunca mais nas velhas medidas, nos velhos espaços que ela ocupava antes de aprender.

Aprender a andar de pé fez com que as pessoas nunca mais engatinhassem. Aprender a falar fez com que as pessoas nunca mais balbuciassem. O estágio posterior ao aprendizado é um estágio do qual não se pode retroceder. Isso é crescer. E Bolsonaro não cresceu.

Há ali uma limitação qualquer, não sei. Mas ele parou em algum estágio de seu crescimento e decidiu, ou mesmo não conseguiu, ir adiante. Descobriu um limite e o aceitou como fim. Porque é limitado, assim, de quem chegou ao limite e estacionou ali - por medo, preguiça ou escolha. Então, por não ser capaz de seguir adiante, ele acredita que crescer é inútil.

Para quem chega no limite de sua capacidade sem aceitá-lo, deve ser odioso ver quem segue crescendo, quem não se deixa barrar pelos limites. E a vida universitária, a Universidade, é o lugar onde os limites estão, a todo momento, se alargando, crescendo. É onde todos os anos estudantes se formam convictos de que não cabem mais nas medidas que ocupavam antes de entrar ali. Convictos de que cresceram e sapientes de que ainda há muito a crescer. E ele, Bolsonaro, limitado, se enfurece.

Bolsonaro se enfurece porque ele poderia estar ali. Ele é branco, homem e de classe média. Não recebeu uma educação precária nem foi obrigado a parar de estudar. Estava, como muitos brasileiros de sua classe social, cercado de privilégios e não conseguiu mais crescer. Diferente dos pobres, que precisam abandonar o estudo para trabalhar, ou de negros e negras historicamente excluídos do contato com a educação. Ele poderia ter sido médico, dentista, General do Exército. Ele não conseguiu. Porque chegou ao seu limite. E se enfurece com quem conseguiu e consegue seguir crescendo.

Para piorar, educou seus filhos nessa lógica. Achou outro limitado que largou a escola e foi morar em outro país, que tem atrás de si (nos vídeos que publica) livros que são só cenário. Outro que, por não conseguir ser filósofo por formação, por não ter concluído a escola básica, se autoproclamou filósofo. O limite branco, masculino, de classe média. O limite dos privilegiados.

Atacar as Universidades, as humanidades, o pensamento livre e que produz crescimento, é o ódio do limite dos que não conseguiram. Bolsonaro não conseguiu, mesmo com tantos privilégios. Outros tantos, brancos e de classe média, também cheios de privilégios, não conseguiram. Mesmo com boas escolas, boa alimentação na infância, boas condições de estudo, morando em casa própria, com condições de só se dedicarem ao estudo. E deve ser doloroso ver os pobres, os que nunca tiveram chance, os que trabalham e estudam, as que levam os filhos para as aulas por não terem com quem deixar, conseguirem sem privilégio nenhum o que ele, Bolsonaro, com tantos privilégios, não conseguiu. O que seus filhos, com tantos privilégios, também não conseguiram.

Por isso, ele quer destruir tudo. Porque assim ninguém mais será capaz de esfregar na cara dele o quão limitado ele é. O quanto ele não conseguiu. O quanto seus iguais também não conseguiram. Só conseguirá isso impedindo que outros consigam. Impedindo que outros cresçam. Por isso, estrangular a Universidade, o pensamento e as ciências humanas. Esse é o pano de fundo desse ódio. E dele o mercado se apropria.