aprendo todo dia um jeito diferente de não me levantar da cama. mas insistem que há vida lá fora e que eu preciso dela, de alguma maneira. meu diário é um livro de consultas sobre o que não fazer de novo, sobre o que faço de novo, sobre o que ainda preciso pensar melhor. os poemas que serão perdidos estão aqui, nas estantes, em papéis dizendo que o eu que está neles não sou eu, mas é maior que o mim que habita em mim, na dupla relação complicada de existir no mundo com um mundo. faço café todos os dias com a promessa de parar um dia de fazê-lo, promessa inútil como a pergunta se se é feliz. a felicidade não é um ser, como eu, como alguém com nome diverso do meu. pode ser nome, palavra de dicionário. não é um fim de estrada que se caminha, prêmio por conquista. a felicidade está nas forças duras do mundo, aquelas que me ensinam todos os dias que eu não as posso atravessar. nem às partículas do ar, que se deslocam para eu ocupar-lhes o espaço abandonado. todos os dias, as coisas se repetem e Machado de Assis confere a mim alguma ironia no dia. Cronópio cortazariano, com doses extras de Fama que atrapalham, cercado de esperanças, essas bibliotecárias, e de referências intertextuais sacanas que levam esse texto a outros caminhos interpretativos. não sou eu que escrevo aqui, saibam disso. não me creditem.
terça-feira, 30 de setembro de 2014
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
um mosaico
As situações, coladas uma a uma, vão formando um estranho mosaico. Muita imagem embaralhada e tudo me confunde porque, no mosaico, há recortes de mim que nem sei onde estavam, se existiram, se me compõem de fato. Há pedaços descolados de pessoas que duvido a existência, assim fantasmagoricamente postas em seus detritos, o que deixaram em mim, montes de entulhos e relíquias, um rabisco apagado no espelho que só se vê quando o calor do quarto abafa o vidro, mas que na noite o sono faz confundir a realidade.
O mosaico é grande, toma conta de todo o apartamento – em si, só por si, já um mosaico. Está nas vasilhas que guardei, nas digitais que separei das xícaras (limpando-as antes de colar ao mosaico), buscando uma forma possível de resposta. Sei que ela está nas fotos impressas, nas deletadas, nas devolvidas. A resposta está em todos os rastros que apaguei. Mas como há resposta se limpei tudo para pôr no mosaico e nada ainda me parece producente, capaz de dizer alguma novidade vinda de outro hemisfério?
O passado está para além de outro hemisfério. É quase uma outra vida se o vislumbro da janela do hoje. Ainda me ligo a ele porque ainda assino o nome do passado, embora a face já esteja dele distante, e os sentimentos ventilados não se notem nem nas fotografias. Estou nele pelas notícias dos vivos que estão nas outras pontas das linhas dessa teia – telefones, correios, internet –, no meu pensamento que se inaugura todo dia, sendo o mesmo de ontem, mantendo-se em linha sempre a saltar-me em novidades. Nas crenças que abandono e nas que mantenho.
Mas é quase outra vida à janela do hoje, no apartamento. E buscar comunicação é como falar com os mortos: é só a sensação de que é possível falar com eles, sem que a fala possa ser comprovada por outro ouvinte. Então, é sempre dúvida a que se espera comprovação do destino. E há destino, sabe-se, porque talvez os gregos tenham plena razão, para além da necessidade de moralizar. Há destino porque, nesse passado, muito só se explicaria (se fosse necessário explicar) por essa força antiga, mítica, subterrânea e sem tantos crentes nela quanto outrora, caminho do qual não fugimos.
Da janela do hoje, meu passado, o que é meu em mim, jaze quase incomunicado. E torna-se presente na noite, fantasma branco encardido, que flutua carregado de algo que um dia chamei sentir: um sentir distinto do outro por nomes demais conhecidos.
Disforme, o mosaico, ensaio de pergunta, é estranho e ainda não diz nada. Mais apaga que perdura na memória que o quer manter. E uma indiferença densa, vazia de sentidos, preenche esse espaço. Terá existido? Seria, o que disse ser? Algum dia, algum acontecimento que lampeje ainda na memória existirá para além da memória que o imaginava, cativava e alimentava? E no rosto? Existiu o rosto no rosto que boia na noite, entre sono e entre-sono, ou foi ilusão, como tudo o mais é nesse mosaico sem formato, sem rosto a que reconheça meu?
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