quarta-feira, 25 de junho de 2014

Da vida em tese

Nos últimos poucos encontros que pude ter com amigos que há muito não via, a resposta às perguntas corriqueiras de "como vai a vida" ou "como tem passado" são dadas com uma frase que acho, sempre que digo, bem curiosa: "minha vida vai em tese". Em dois sentidos bem específicos. O primeiro, o do andamento do trabalho de pesquisa, suas demandas de horas de leitura e escrita diárias, dos poemas que releio constantemente, a confirmar as fontes dos textos, suas fixações, suas edições. O contato diário com o que, de fato, é o trabalho, creio, de todo pesquisador: o entre.

E a tese põe tudo em tese, em seu sentido de abstração e de incerteza. Em tese, tudo acontece. Mas nada acontece de fato porque a vida, a vida de verdade, que pede atenção nas louças, nas roupas por lavar, na casa por arrumar, não é em tese. Os planos, as vontades de viagem, o sentir, não podem e não devem estar em tese. Mas, os espaços do meu dia, até há muito pouco, eram um tedioso estar em tese, e cansei de estar em tese.

Há uma busca por novidades, por vida de fato, cheia de detalhes e de presenças, de carinhos compartilhados. A ida ao supermercado, o andar de ônibus, a vida das pequenas coisas do cotidiano só passíveis de serem vivenciadas quando não se está em tese - como o aperto de mão, o abraço, o sorriso afetuoso de quem está nas ruas, de quem amamos, com suas vidas nada em tese, acontecendo no trânsito que é a permanência no existir.

Na busca por esse trânsito fora das teses, resoluções importantes, fora dos poemas que me dizem da vida. A experiência de sentir o mundo real sem tese, na música, no que ele oferta de dança e de preguiça; no que o tempo oferta de possibilidade aos olhos; no meu eterno interesse curioso pelo mundo, pelas pessoas, como a constante vontade de viver cada ano em um lugar distinto.

Para a tese, o tempo que é dela, sem medidas. Para o além-tese, vida de verdade, feita de café com pão, de arte de todo tipo (sobretudo de muita música), de cinema de fim de tarde, de caminhar na praça: de dividir, de verdade, a vida com quem pretende ter vida a receber.

E, por início e fim, é na música que busco a saída: "eu já tô com o pé nessa estrada/ qualquer dia a gente se vê".

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