Limpei a máquina de escrever que esperava esse novo lugar na casa depois da mudança. Troquei-lhe a fita e é preciso comprar papel para as cartas que em breve volto a escrever, como fazia há muito. Ir ao correio, selar, postar. Postar mesmo, no serviço postal, usar o verbo no seu uso mais antigo, e não no que agora recebe, assim, banalizado. Quero postar mensagens para pessoas de variados lugares, mas que elas recebam as mensagens em papéis devidamente escolhidos, com suas cores e pesos, seus selos e carimbos, marcas de cola e cheiro de correio. Mensagens que aparecem por debaixo da porta e que podem ser guardadas em caixas, rasgadas ou queimadas, que ainda são respeitadas pelas leis do sigilo postal (em um mundo cada vez menos sigiloso).
E à máquina, na que me acompanha há muito. Ou mesmo à mão, com canetas escolhidas para escrever em folhas, mas de um único lado, para a carta ganhar aquele aspecto mais largo e elegante. Ou mesmo em folhas de caderno com envelopes feitos de folhas de A4, escritas às pressas porque o que deveria ser dito precisava de papel, qualquer que fosse.
Reli, esta noite, algumas das cartas que recebi ao longo desses 14 anos. Em algumas, fotos com rostos que não vejo há tanto, a letra miúda que contava de um tempo onde era possível acreditar. Um tempo em que encontros mágicos e inesperados surgiam nas ruas centenárias e que todo um cosmos era capaz de justificar a existência do encontro, longe das filosofias e das teorias, explicar muitas tardes de sábado. Nas letras, as cores das tintas e eu lembrando de tantos variados tons de verde enquanto lia tantas coisas. Cartas que me contavam do mundo, dos lugares que não conheço ainda, vindas de outras partes, de distantes continentes. Correspondentes que mantive por um tempo, em cartas que eram recheadas de telefonemas mais ansiosos, escritas em quartos, nas praças. Bilhetes que mandava nas férias a amigos lembrando que havia saudade do lado de cá das Minas.
Há envelopes, em breve haverá selos e teremos mais cartas à mão e à máquina, postadas. Não porque há nisso em mim um apego íntimo ao que some, somente, uma eterna nostalgia. É porque em tempos de imagens e palavras digitais, em tempos de velocidade de acontecimentos e de informação instantânea, minhas cartas, lentas e nos prazos dos correios, podem dizer mais de um tempo, alegrar, de alguma forma, quem as receber, alimentar em nós a beleza de que do outro lado da mensagem uma mão humana escreveu em um papel algo que pudesse passear de mão em mão em segredo.