terça-feira, 12 de novembro de 2024

A garrafa ao mar

 alguém ainda vem aqui de vez em quando na esperança de saber alguma notícia desse lado do atlântico. alguém sabe esse caminho, esse mesmo, trilhado entre ferros e estranhos ciscos, e sabe que se seguir essa estrada difícil pode ouvir o que aqui já ouviu um dia, ver o que aqui já viu um dia. alguém conhece essa estrada e sabe chegar nela, outra vez, pela mesma via que cruzou há anos no perdido dia.

hoje esse caminho traz ao mar que eu empilhei em caixas. ao mar de sensações e de medos que me leva a beiras de abismo dias seguidos. traz o que eu deixei escapar de mim, esse perdido ciclo de vertigens, onde pude um dia desabafar relaxado. hoje, entrar aqui é como entrar num quarto desabitado, mas que ainda sei comum e compartilhado, onde já vivi estranhas vaias e partilhei outros sentidos. entrar aqui é novamente estar em mim. 

não escrever é o mesmo que estar morto. estou, insisto. parece que a morte já encontrou em mim o seu caminho. já encontrou em mim o seu destino e agora que a luz se apaga no fim da janela, sem janelas para penedos e ilhas, sem riachos onde pudera eu me debruçar esquecido, vou deixar aqui algumas pedras e mapas: alguns sinais em hebraico, não vocálicos, onde posso escrever nomes na areia do mar. 

domingo, 9 de agosto de 2020

Encerramento das atividades

Criei o Desde que o samba é samba para poder, de alguma forma, ter a experiência de uma escrita regular, entrando para o espaço de debate direto com os leitores. Nesses quase onze anos de escrita não tão regular assim, o blog foi muito  importante e dele floresceram 4 livros - Qu4rto desamp4aro, em 2010; Tear de ondas, em 2012; é corpo seu norte, em 2016, e Sensações sem sim, de 2019 (aguardando lançamento desde o início da pandemia). 

Pude aqui também expor muito do meu posicionamento político, fazer desabafos sobre a situação brasileira, compartilhar vivências num período de transformação íntima que estavam em sintonia com as mudanças de um século novo, com novas demandas, novas possibilidades de vida e de contato. Todas essas experiências de escrita, na busca por esse entendimento, ajudaram mais a mim mesmo do que aos leitores e, creio, foram cruciais para as decisões que tomei nos últimos onze anos. 

Manterei o link ativo por um período para conservar o arquivo do blog até que eu salve todos os textos. São 320 publicações no total. Um montante que me deixou bastante contente. Depois de feito o backup de tudo e fazer a impressão, colocando o acervo numa das muitas caixas de arquivo que tenho espalhadas pela casa, o blog deixará definitivamente de existir.  

Junto com o fim do blog, outras contas de vida virtual também desaparecerão: o perfil do facebook (que também tem onze anos de existência), as contas no instagram e no twitter. Essas já foram apagadas. A última que será desativada, nos próximos dias - espero - é o whatsapp. É o fim, creio, da minha relação com as redes sociais. 

As decisões envolvem muitas coisas, mas em especial a busca por menos. Uma necessidade que se colocou em minha vida e que tem me feito bem. Menos de tudo. Em especial, o mínimo de exposição. O excesso de exposição foi muito danoso a mim. Uma exposição que em tempos de pandemia tornou-se exagerada e problemática. Tudo isso é coroado por algumas reflexões que têm-me tomado o tempo nos últimos dias.

O exagerado número de virtualização de aulas, o descabido controle das atividades de cátedra, a monitoração de minha atividade docente e de lazer, o uso da desculpa da pandemia por parte de pessoas próximas para o total descontrole no uso de algumas ferramentas, deixando a vida numa constante atividade de reuniões e lives, de trabalho e de pesquisa full time favoreceram para essa decisão. É preciso menos de tudo isso e o caminho que encontrei foi sair dos lugares onde esses acessos são facilitados, já que não posso sair de todos.

Com isso, volto a escrever à máquina, a planejar offline meus livros, a dedicar meu tempo - que para mim é precioso - ao que de fato é proveitoso para mim. Com menos acesso remoto, menos virtualidade: uma vida menos online. Por uma vida offline, dedico os onze anos de Desde que o samba é samba e seu fim. Foi bom enquanto durou!