De repente a mão se abre e solta. É simples como dar um passo. Abre
a mão e solta. Quando solta, um mundo de possibilidades se abre. A
mão, que carregou inútil peso por longo tempo, está livre para
novos tatos e novos contatos. Não aguenta mais as bolhas que as
coisas lhe causaram, as dores da importância ao inútil, as dores
suportáveis e diárias das pequenas ofensas e dos pequenos
deixares-de-lado. A mão que sustentou o mundo, equilibrou pratos,
fez afagos e vibrou fechada de ódio, sem revidar. A mão que
concentrou o medo e quis esconder o rosto, que mostrou-se torta e,
por ser torta, foi chamada de louca. De repente, a mão solta tudo
isso e livre, alisa outra face.
A nova face que a mão alisa, livre da carga carregada, é o hoje.
Está a face leve sem marcas do passado. Na nova face, todas as
possibilidades, outras, sem caminhos, espinhos e dores velhas e
gastas, já exaustas antes de saírem da cama. A nova face, calma,
é um sorriso de companhia. Um sorriso de café com torradas à
tarde, de range-rede abraçado de sábado. É a possibilidade de
passeio no parque da cidade, de pedras lançadas ao lago,
de lenços de partidas e abraços de chegada cada vez mais raros
porque não há distância, de horas de silêncio compartilhado
mirando o céu pela janela.
A mão, de repente, solta. E vê a tranquilidade da meia idade num
embrulho de um livro ao pé da porta. O hoje é um livro embrulhado
ao pé da porta. Uma carta que chega, a resposta das milhares de
cartas enviadas sem resposta. Uma carta-bilhete, com perfume e letras
corridas, mas real e de papel. Comum para além dos boletos. O
embrulho na porta, o livro, e tudo o que ele contém de fúria e de
sorriso, de improviso no hoje. Um livro que não precisa de estrada,
que não é viciado de riscos, que não corta os dedos nas pontas. Um
livro, um simples livro para se ler, no hoje, o afago da tarde.