segunda-feira, 19 de novembro de 2018

mais uma vez, a estrada

Fiz muitos textos sobre partir. Quase todos começam com as caixas e as fitas, o de sempre na mudança. Mas essa mudança começa de um lado diferente. Um lado que talvez desconhecesse, mas que é cada dia maior e mais denso, quase tocável. 

Começo do meu cansaço. 

Porque eu estou cansado e isso será o primeiro a ser mudado. Cansado porque preciso responder a um número enorme de pessoas o tempo todo e a maioria não sabe ou não quer esperar. E cada uma tem uma urgência diferente. É sempre muita gente que quer que eu responda de imediato. E não há tempo que baste. 

Talvez tenha sido o imediatismo das redes sociais que fez com que todos, em todos os lugares, se esquecessem que as pessoas têm muitas coisas a fazer além de atendê-las. E é preciso muitas vezes esperar. Esperar pela resposta, esperar pela atenção. E essa espera não quer dizer falta de importância ou qualquer outra coisa. É só uma espera. Porque há muito o que fazer. 

Caí doente este fim de semana. Uma alergia como há muito não tinha. Olhos inchados e sensíveis à luz, doloridos. E a urgência das coisas que apitam. Das mensagens que exigem que você pare o que está fazendo para respondê-las. E as caixas, o prazo da mudança que se aproxima, os livros que quero ler em silêncio sem que nada apite ao meu redor. A vontade de sair e tomar uma cerveja sem que nada apite e que eu precise responder de pronto. 

A sensação que tenho é que o mundo, de repente, tornou-se uma criança birrenta no supermercado. Aquela que repetidas vezes chama a mãe pedindo-lhe que atenda, que responda, e se a mãe não olha a criança essa não pára um segundo de interrompê-la no que quer que ela esteja fazendo. Os aplicativos deveriam ter a função "ocupado", como os telefones, os antigos bate-papos. Ninguém está disponível o tempo todo. Eu estou quase o tempo todo ocupado.

E tudo apita madrugada a dentro a ponto de eu precisar silenciar as coisas porque as pessoas perderam a noção de limite. Ninguém está acordado o tempo todo. Ninguém precisa que as coisas apitem a todo momento. 

E isso me cansou. Cansei de estar a postos. Não estou. Não posso. Cada coisa tem seu tempo e é preciso que elas se respeitem mutuamente. Se os seres perderam essa medida, imponho eu a eles a minha. Como diria Pessoa, "não me macem, pelo amor de Deus". E não os atendo, nem sempre posso. Preciso desligar as coisas que apitam. Porque há dias que o mundo desaba três vezes na vida de alguém enquanto eu tomava banho. Pessoas se matam e ressuscitam e não acabei o café. Pessoas comentam a política global e nem acabei de ler o jornal - porque eu os leio, todas as manhãs. Pessoas mandam fotos e marcam você vídeos madrugada a dentro e você nem trocou de sono. Tudo o tempo todo, ao mesmo tempo agora. E eu preciso de paz. 

A casa está para as caixas. Outra mudança. E dessa vez não é a casa para onde vou, mas o silêncio que colocarei às coisas e pessoas que importa nisso tudo. Só não volto às cartas por impossibilidades que me impõe o trabalho. Fora isso, não respondo mais ninguém na urgência que julgam ter. Querem falar comigo, venham à minha casa. Liguem-me no fixo. No mais, preciso cuidar da mudança. A décima segunda em dezoito anos.  

As caixas chegaram numa noite de lua. As fitas também, como na anterior preparação de partida. Lá a chegada. Sem essa maldita urgência de crianças de supermercado.