segunda-feira, 19 de dezembro de 2016


Um despertador de manhã. Uma vida corrida tentando provar que a vida vale a pena. Outro despertador de manhã. Uma página social dizendo a você que todos são felizes porque é preciso ser feliz. Outra guerra. Outras guerras. A vida pânica no terrorismo de estado. Os fantasmas de sobrecasaca. Numa encruzilhada da baixa, trombamos em um tiro de 1914. Um tiro de 1914! E medidas políticas anteriores ao século XX. E a nova valorização das castas.

Mas é Natal: entupa-se de ilusão e falsa caridade. Entupa-se de discursos para não lotar as ruas contra o caos armado.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Lições do Rio São Francisco


1-) Diante de um rio calmo, o ser humano se sente maior que o rio.

2-) Um rio calmo esconde um fundo lodoso e turbulento. Um rio enfurecido mostra seu fundo de pedras.

3-) A praia depende da cheia. O lado da praia agora é a outra margem. Esta aqui agora é barranco, mas já foi praia.

4-) As ilhas dependem da cheia. No rio, elas navegam, trocam de lugar e porto.

5-) O rio é a soma de todos os rios que o formaram, mais o rio que é nesse instante, mais a soma dos outros que será logo em seguida com a soma de outras águas vindas sabe-se lá de onde.

6-) Outra margem é questão de perspectiva.

7-) Uma ponte cria infinitos lugares deste e daquele lado e os separa. Depende de onde se está.

8-) Um cais é sempre uma espera. Partir e chegar são partes do mesmo movimento. E tudo depende da cheia, de barcos, de movimento. Sem isso, a espera segue nos seres. Não no cais.

9-) Com ou sem pressa, turvo ou límpido, o rio sempre chega a algum lugar (seja um cano de abastecimento de água da cidade, um açude, uma hidrelétrica, um cânion ou o mar). E o rio não decide isso nem tem sobre isso qualquer controle. É uma questão de contingência. Uma vez deixada a margem, o rio receberá outros nomes para que esqueça que é rio. Mas sempre será rio.

10-) A travessia não existe. É travessura. Mas existe. E não é travessura.

11-) O tempo contábil não existe. É uma dimensão da matéria e nós não a entendemos bem, como também não entendemos bem o espaço e o movimento.

12-) Rio é um signo arbitrário, um conceito e uma metáfora.

13-) O rio é tudo o que se diz dele – suas lendas de várias línguas, seus nomes em várias geografias, todos os seus caboclos. Por isso vive nos cantos dos ribeirinhos.

14-) O canto (das lavadeiras, dos pescadores, dos barranqueiros, de Iara) é o enigma central e o mistério do fundo do rio.

15-) Uma cobra pode nadar em todas as direções nas águas. Se parar, irá sempre seguir em duas direções somadas. E nadar é um movimento no tempo e no espaço, dimensões que não entendemos bem.