terça-feira, 3 de maio de 2016

de onde eu vim

de onde vim, falar é quase um crime e mata-se por muito menos. de onde eu vim, mata-se por qualquer motivo, por uma pichação, por nem isso, por estar acompanhado, estando acompanhado, de dia, de noite, de madrugada. mata-se com regularidade semanal. sem a palavra. de onde eu vim, implanta-se a culpa onde nada há e prende-se por decreto, por desacato. os tempos sombrios e os becos, lá, nunca sumiram. aumentaram os becos, quiseram iluminá-los, derrubaram casas e mais casas, desalojaram rapidamente muita gente pela urbanidade. em vão. lá de onde eu vim, falar é quase um crime e mata-se por muito menos. e há paz combinada que de tempos em tempos acaba. há paz para que milhares de trabalhadores e trabalhadoras saiam ainda pelas ruas na madrugada. rompida a paz, há horas de recolher, horas para sair, e silêncio nos ônibus, nos sacolões, nas padarias, nos bares. há botas e fardas que cercam e prendem. matam por muito menos. matam dos dois lados, como matavam antes. lá, o direito é um susto e uma camisa a mortalha. lá, de onde eu vim, é o troca-tiro e as torturas, dos dois lados, é um sofá em chamas em barricada no meio da madrugada, velha murada, é ônibus incendiado e corpos como em poucos lugares do planeta. de onde eu vim, ainda se está muito longe do estado de direito. e o pouco estado de direito que lá chegou, se é que chegou de fato, pode voltar a sumir. porque de onde eu vim, falar é quase um crime e mata-se por muito menos.