
Se estiver perdido, compre um mapa. Mas não desses que a Google faz,
cheio de coisas que acontecem agora, que você pode colocar no vidro
da janela do carro e se guiar. Compre um mapa antigo, difícil de se
ver o caminho nele traçado, o nome do lugar que nem existe mais. E
veja bem de perto que o cartógrafo errou a latitude, perdeu a conta
da longitude e nunca você encontrará aquele lugar. É ali que
começa tudo: onde as coordenadas nada dizem, é literatura. Lá,
sempre haverá civilização, conforto, conflito, dor a sobrar e uma
fina agulha. Procure essa agulha loucamente e costure as coordenadas
achadas no mapa comprado na mão do alfarrábio árabe que fechou a
livraria para investir em outro negócio. Costure essa matemática e
ela guiará você, quem sabe – e só se tiver muita sorte – para
o mundo que exite dentro da boca de Pantagruel. E ao sair, passando
pela civilização que planta repolhos, você talvez encontre um
cachalote, um marinheiro louco, um pirata gatuno que atende às vezes
pelo nome de Monte Cristo, uma nave que é capaz de levá-lo à lua,
um balão que o faz chegar em Londres, um livro vermelho que uma
menina aperta contra o peito, uma família que se consome na dúvida,
um dono de fazenda, acordado na noite, escrevendo a história de
Viçosa de Alagoas, um velho jagunço deitado na rede. Se
encontrá-lo, diga que eu mandei notícias e pergunte: existe?