domingo, 4 de agosto de 2013

para ti, palavra-alada


Quando o mundo é uma brincadeira sem graça e tudo, de um estalo, fica cinza. É cinza o rio que passa aqui em baixo, cinza a velha rua de pedra, cinza os versos que li na madrugada. Nenhuma dessas formas de cinza é resposta. A perda, súbita, é como um susto, e eu ainda não sei que reação tomar. Ando no cinza, confuso, e tudo, num estalo, é pequeno: a briga, a mágoa, a incompreensão. Tudo ridiculamente pequeno, e como pó, some na mão.

Neste ano, essa sensação é cada vez mais uma verdade. Fio a fio, a aranha cinza de zinco, o tempo, destece as pessoas do meu passado. Destece a promessa de depois, dissolve tudo e me faz lembrar, olhando com os seus mil olhos, que nada, nunca, pode ser adiado, postergado, remarcado. Que se fazemos isso, é na confiança absurda no depois, de que a aranha cinza de zinco não está a destecer.

E eu que ainda tinha tanto a dizer, a saber, a conhecer pelas palavras que me viriam daqueles que a aranha desteceu, que não mais se pronunciam, que se separam de mim na dor da memória! E é incoerente saber que quando olho para trás, a cada passo que dou para frente, alguém sumiu do presente. Olhando este rio hoje, nesta manhã, ainda não sei destecer o rosto destecido pela aranha. Acho que nunca será destecido, mas não envelhece mais. Não sei bem, mas o tempo pode destecer alguém que a vida já não guarda o corpo, aqui, no presente, mas que ainda se agita na memória, palavra-alada que resiste?

sábado, 3 de agosto de 2013

para Thaís


Recebi a notícia pouco depois de acordar. Recebi telefonemas de toda sorte (alguns que há muito não recebia) e, aqui, em Passagem, é ainda mais difícil de acreditar.
Pensei em ti outro dia, lembrando da última vez que nos vimos. Teu sorriso e um carnaval. E tudo, de repente.
Ainda há fotos tuas (nas gavetas, nas caixas, no computador), ainda há velhas cartas nunca enviadas e bilhetes recebidos em datas variadas. Há a lembrança da última conversa, pelo telefone, um até logo, um até qualquer dia. E de repente o que me perguntam sobre ti não é mais o que andas fazendo da vida, por onde andas, em que lugar do globo estás agora sobre o mar. Eis que de repente, não me chega mais uma mensagem com um novo número de telefone, um novo endereço, uma ligação cheia de novidades, de novos amores e de novas festas em uma conversa recheada de nossas lembranças.
E eu nem sei o que pensar ainda. Ficou, mesmo e fundo, este silêncio. Talvez o mais profundo. O irrecuperável silêncio que, por mais que estude, só agora eu o entenda em profundidade.
Não fui te ver, talvez, por uma covardia íntima. Um egoísmo de não querer apagar a imagem que fica, teu sorriso ao ver margaridas, ao conhecer o mundo, ao fazer algo que gostavas, o sorriso de uma conversa de há muito.
Nos nossos distantes saberes, fica este espaço. E é estranho, podes estar certa, o que sinto agora. Sei que fica a palavra que me deste escrita em pedra, entre meus livros, teu sorriso e minha memória.
Fico contigo aqui, no que sobrou de tua voz em mim, nessas caixas de lembranças. E sabe-se lá por que, nas margaridas que tanto gostavas, no mar, em pedras do chão, nestes sinos.
E de repente, tu te transformas em silêncio profundo e intransponível.